AFP
Os familiares das vítimas da explosão do porto de Beirute em 2020 organizaram uma manifestação nesta quinta-feira (26) para apoiar o juiz independente Tarek Bitar, processado por insubordinação por sua determinação em continuar investigando a tragédia.Apesar das pressões que vem sofrendo, principalmente política, o juiz Bitar decidiu, na segunda-feira (23), retomar a investigação da explosão de 4 de agosto de 2020, que deixou mais de 215 mortos e desencadeou uma guerra na Justiça.Várias ONGs e famílias de vítimas acusaram as autoridades libanesas de atrapalharem a investigação local para evitar processos. Além disso, as autoridades se recusam a abrir uma investigação internacional.Nesta quinta-feira (26), dezenas de familiares das vítimas, apoiados por deputados da oposição, concentraram-se na frente do Palácio da Justiça. Nas mãos, levavam fotos de seus parentes mortos.Junto com outros ativistas, tentaram entrar à força no Palácio da Justiça, o que levou a confrontos entre as forças de segurança e os manifestantes, observou um fotógrafo da AFP no local."Tínhamos esperanças na Justiça, mas as máscaras caíram", criticou Abdo Matta, em entrevista à AFP."Queremos saber quem matou nossos filhos", insistiu.Este libanês de 54 anos perdeu seu filho na explosão, que destruiu bairros inteiros na capital.- "Golpe de Estado" -Em um comunicado, o coletivo das famílias das vítimas denunciou "o golpe de Estado político, de segurança e judicial" representado, segundo, eles, pela decisão de processar o juiz Bitar.O coletivo convocou as autoridades a assumirem "total responsabilidade pela segurança do juiz", que se sente ameaçado neste país em que os assassinatos políticos são frequentes.Por conta de cerca de 40 processos abertos contra ele e da pressão de grande parte da classe política, incluindo o poderoso movimento armado Hezbollah, o juiz foi obrigado a suspender sua investigação por 13 meses.Na segunda-feira, ao decidir retomá-la, o magistrado indiciou várias autoridades, como o procurador-geral Ghassan Oueidate e dois funcionários de alto escalão da Segurança.Em represália, o procurador-geral decidiu processar o juiz Bitar por "rebelião contra a Justiça" e "usurpação de poder". "Permaneço encarregado da investigação e não abrirei mão deste caso. O procurador não tem prerrogativas para me processar", reagiu o juiz Bitar, que se recusou a comparecer na manhã desta quinta-feira.- 'Uma máfia' -Com a manifestação, os familiares das vítimas buscavam fazer pressão durante uma reunião do Conselho Superior da Magistratura, marcada para o meio da manhã. O compromisso, no qual se poderia determinar o afastamento do juiz Bitar, foi adiado por divergências entre seus membros, informou uma fonte judicial à AFP. Oueidate disse à imprensa, por sua vez, que a reunião foi adiada "para evitar um derramamento de sangue".Esta pressão judicial ameaça encobrir a investigação da enorme explosão, causada porque centenas de toneladas de nitrato de amônio foram armazenadas de forma imprudente no porto de Beirute.Segundo o especialista em Justiça Paul Morcos, a investigação está "cercada de perigos". "Existem algumas grandes pressões políticas que a Justiça não consegue aguentar", disse ele à AFP."Esta batalha pode levar ao colapso total do Poder Judiciário", declarou à AFP o parlamentar Samy Gemayel, da oposição.Gemayel convocou os libaneses a "defenderem (o) sistema judiciário e a independência da Justiça contra uma máfia e uma milícia armada que estão destruindo este país", uma alusão, segundo ele, ao Hezbollah.Há mais de um ano, o movimento xiita exige a substituição do juiz Bitar e apoiou as decisões do procurador-geral.As ONGS Human Rights Watch (HRW) e Anistia Internacional pediram uma "comissão de inquérito imparcial" e estimaram que é "claro que as autoridades libanesas estão determinadas a obstruir a Justiça".str-lar/at/tp/jvb/zm/ms/tt