Eleitora com deficiência narra saga para conseguir votar e viraliza
Uma ilustradora de São Paulo que se locomove com a ajuda de uma cadeira de rodas viralizou ao contar, no Twitter, a sua saga para conseguir votar no último domingo (15). Tudo começou quando trocaram a sua seção em uma escola da capital paulista e ela descobriu que o novo local tinha um degrau grande por onde não conseguia descer.
Sem alguém para ajudá-la, ela disse ter sido orientada por uma voluntária da área de acessibilidade da escola a voltar para casa e justificar o voto. A orientação foi repetida diversas vezes ao longo do dia.
“Ser pcd (pessoa com deficiência) é isso”, desabafou a ilustradora, que se identifica como Paloma (@partesdesenha) em seu perfil.
“A moça falou que só poderia ajudar se fosse alguém da família que estivesse comigo. Liguei pro meu primo que mora perto e ele ‘ué, por que você não justifica?’ Desliguei o telefone. Familiares babacas: TEMOS”, continuou.
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Apesar das barreiras, físicas e simbólicas, a eleitora conseguiu votar. Mas só depois de mais de meia hora de insistência e reiterações de que estava ali e queria exercer o seu direito.
Ela só pôde chegar até a urna após a diretora da escola se mobilizar e encontrar madeiras para improvisar uma rampa no local. “Acabaram com meu dia, mas é como eu disse: ser pessoa com deficiência é isso. Correr o risco de ter seus direitos negados e questionados repetidamente”.
Essa negação continuou ao chegar em casa e pedir ao cartório para que providenciasse uma mudança de seção, para uma mais acessível, antes da próxima votação --daqui a duas semanas. O cartório, então, informou que a troca só seria possível após o dia 8 de dezembro. E, como todos os personagens acima, com exceção da própria e da diretora da escola, também deu como a melhor opção justificar o voto num prazo de 60 dias.
“Isso já aconteceu comigo. Quando a seção da pessoa com deficiência muda de última hora eles dão qualquer lugar lá só pra justificar”, contou à coluna a antropóloga Adriana Dias, que tem osteogênese imperfeita (conhecida como “doença dos ossos”) e é diretora do Instituto Baresi, um fórum em defesa de pessoas com doenças raras, além de ser uma das maiores especialistas em neonazismo do país.
Na pandemia do coronavíris, a antropóloga tem sido uma das vozes mais destacadas no combate à ideia de que o vírus “só” levaria à morte de pessoas “fracas”, velhinhos e pessoas com deficiência —uma lógica eugenista, compartilhada por parte do empresariado e do poder público, semelhante ao discurso capacitista das lideranças nazistas do século 20.
Foi ela quem me chamou a atenção para a postagem após uma mobilização organizada pela cantora, escritora e poeta Queen Vi (@euvioletaa).
“Na cabeça deles, não precisamos votar. E uma candidata que pensa como a gente, que não tem visibilidade dos grupos farmacêuticos, e tem proposta anti capacitista e feminista depende desses votos. E se não podemos votar ela não é eleita. Quantas candidatas não foram prejudicadas por isso? É um ultraje dizer que pessoas com deficiência só podem justificar voto, não temos direito a eleger como as outras pessoas”, diz a antropóloga.
Adriana lembra que já existem recomendação do Ministério Público desde o início da década para que episódios assim não aconteçam nos locais de votação. Ainda assim, se repetem frequentemente. “Quem sabe daqui a 200 anos melhora?”, ironiza ela.