Comunidades de Alcântara serão sacrificadas para atender as demandas dos Estados Unidos, afirma liderança quilombola
Texto / Nataly Simões | Edição / Pedro Borges
A mobilização pelo direito à moradia se intensificou nas comunidades quilombolas da cidade de Alcântara, no Maranhão, após a aprovação do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST). A medida permite aos Estados Unidos utilizarem o território para o lançamento de foguetes.
“Nós vamos resistir como sempre fizemos e não renunciaremos um milímetro do nosso território”, afirma Danilo Sérgio, quilombola de Alcântara e cientista político.
Aprovado no dia 21 de Agosto pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, o projeto do governo de Jair Bolsonaro determina a ampliação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) para 12.645 hectares. O espaço é equivalente ao de 8.978 campos de futebol.
Um dos resultados deve ser a desapropriação de mais de 800 famílias. Até o momento, o poder público não informou para onde as famílias serão realocadas.
Para Douglas Belchior, educador da Uneafro Brasil e integrante da Coalizão Negra por Direitos, é importante que o futuro das comunidades quilombolas seja discutido nacionalmente.
“É tarefa de todo negro brasileiro se mobilizar pelo direito do povo quilombola, sobretudo das comunidades de Alcântara que podem ser despejadas a qualquer momento”, argumenta.
Ação de resistência
Para debater os riscos que os moradores correm com a exploração do território por parte dos norte-americanos, a CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) realizou uma oficina de dados socioeconômicos na região.
O objetivo é que as comunidades pensem coletivamente em estratégias para aprimorar a gestão de seus territórios e para terem acesso às políticas públicas.
“É um momento de fortalecimento dos quilombolas e de debates sobre os problemas que atingem essa população”, afirma Célia Cristina da Silva, coordenadora executiva da CONAQ.
O aval dado pelo governo brasileiro para que o país norte-americano explore toda a costa de Alcântara deve transformar a vida dos moradores da região.
“É um absurdo que para atender as demandas dos Estados Unidos, centenas de pessoas sejam sacrificadas e um município inteiro praticamente varrido do mapa”, avalia a coordenadora do CONAQ.
Violação histórica de direitos
As comunidades quilombolas da cidade de Alcântara convivem com a violação de direitos causada pelo Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) desde a sua implementação, na década de 1980.
Entre 1986 e 1989, 312 famílias foram retiradas de seus territórios e assentadas nas chamadas agrovilas, locais descritos de maneira negativa pelos quilombolas. Eles apontam os espaços como sem infraestrutura para o desenvolvimento das atividades econômicas tradicionais do grupo.
“As pessoas não receberam nenhum subsídio que pudesse aliviar o trauma de perder acesso ao mar e à terra fértil para plantação. Nenhuma política pública para mudar esse quadro foi adotada pelo governo até hoje”, lembra Servulo Borges, morador de Alcântara e atuante na defesa dos direitos das comunidades quilombolas desde 1993.
De acordo com Servulo Borges, a população nunca participou de discussões acerca de benefícios que o projeto poderia trazer para o município de Alcântara. “Independentemente do país que faça acordo com o Brasil, se a comunidade não participa do diálogo sobre o que é necessário para que haja desenvolvimento, a tendência é que dê errado. Já se passaram quase 40 anos e nada mudou”, pontua.