Almanaque de 1942: como foi o ano em que nasceram Gil, Caetano, Milton e Paulinho da Viola

Tinha alguma coisa na ĂĄgua do Brasil em 1942 — alĂ©m do submarino alemĂŁo que afundou navios brasileiros, jogando o paĂ­s na Segunda Guerra. Naquele ano, em um intervalo de menos de cinco meses (para ser exato, 139 dias), nasceram quatro dos maiores nomes da HistĂłria da MPB: Gilberto Gil, Caetano Veloso, Milton Nascimento e Paulinho da Viola, quarteto que, para felicidade geral da nação, completarĂĄ 80 anos em 2022 fazendo shows. TambĂ©m da Geração 42, Tim Maia, AgepĂȘ e Clara Nunes partiram mais cedo e perderam a festa.

Nos Estados Unidos e na Inglaterra, as maternidades pareciam inspiradas. São da Class of ‘42 o rolling stone Brian Jones, o protopunk Lou Reed, a diva Barbra Streisand, a deusa Aretha Franklin, o beatle Paul McCartney, o beach boy Brian Wilson, o soulman Isaac Hayes e o guitar hero Jimi Hendrix.

Caetano Veloso: 'Minha vida teria tomado outro rumo, nĂŁo fosse a prisĂŁo'

Paulinho da Viola: 'Sou um homem do século XIX. Não sei o que estou fazendo aqui'

'All I want for Christmas is you': Mariah Carey é processada em R$ 95 milhÔes por suposto plågio

Mas os supracitados sĂł seriam notĂ­cia anos depois. Enquanto nasciam lendas da mĂșsica, as manchetes eram para os mortos no front. O conflito mundial (que limou as OlimpĂ­adas de 1940 e 1944) levou ao cancelamento da Copa do Mundo de 1942 — ainda que na AmĂ©rica do Sul a bola continuasse rolando.

Por falar em futebol, naquele ano cariocas comemoraram gols em endereços tradicionais com algo de novo. Explica-se: ficando o Brasil contra os nazistas, os bares Adolf, Zeppelin e Berlim foram rebatizados de Luiz, Brasil e Lagoa, nomes “de guerra” que duram atĂ© hoje.

Geração 42

Gilberto Passos de Gil Moreira. Nasce em 26 de junho em Salvador, Bahia, primogĂȘnito do mĂ©dico JosĂ© e da professora primĂĄria Claudina. Em julho, a famĂ­lia Gil se muda para Ituaçu, no interior do estado, onde o menino passa sua infĂąncia.

Caetano Emanoel Viana Teles Veloso. Nasce em 7 de agosto em Santo Amaro, no RecĂŽncavo Baiano. É o quinto dos sete filhos de JosĂ©, funcionĂĄrio pĂșblico dos Correios, e Claudionor, mais conhecida como Dona CanĂŽ.

Milton Nascimento. Nasce em 26 de outubro na Tijuca, Rio. Filho da domĂ©stica Maria do Carmo, abandonada grĂĄvida pelo namorado, Ă© adotado por dois amigos de sua avĂł materna: os professores Josino e LĂ­lia Campos. Os trĂȘs se mudam para TrĂȘs Pontas (MG), onde cresce Milton. e cresce em TrĂȘs Pontas, Minas Gerais.

Paulo César Batista de Faria. Nasce em 12 de novembro em Botafogo, no Rio. Filho mais velho do violonista Benedicto Cesar Ramos de Faria e de Paulina Batista dos Santos, cresce em ambiente musical e logo ganha o apelido de Paulinho da Viola.

Mais turma de 42: Aracy Balabanian (22/2), atriz e eterna Cassandra de "Sai de baixo" Brian jones (28/2), fundador dos Rolling Stones Lou Reed (2/3), fundador do Velvet Underground Barbra Streisand (24/4 ), diva dos musicais Aretha Franklin (25/4), rainha do soul Paul Mccartney (18/6), eterno beatle Brian Wilson (20/6), maestro dos Beach Boys Maria Adelaide Amaral (1/7), dramaturga e rainha das minissĂ©ries Harrison Ford (13/7), ator, Han Solo e Indiana Jones Isabel Allende (2/8), autora de "A casa dos espĂ­ritos" AgepĂȘ (10/8), sambista romĂąntico do sucesso "Deixa eu te amar" Clara Nunes (12/8), cantora Isaac Hayes (20/8), soulman e chef do "South Park" Suzana Vieira (23/8), atriz "sem paciĂȘncia pra quem tĂĄ começando" Tim Maia (28/9), compositor e sĂ­ndico Martin Scorsese (17/11), cineasta, touro indomĂĄvel e bom companheiro Jimi Hendrix (27/11), guitar hero

Carmen Miranda: Pequena notĂĄvel no topo

ApĂłs conquistar Hollywood , a portuguesa mais brasileira brilhava na Broadway fantasiada de baiana: Carmen Miranda era a grande estrela do musical “Sons O’Fun”. Sua performance, na qual tinha como grupo de apoio o Bando da Lua, recebeu elogios do New York Herald Tribune: “A brazilian bombshell dĂĄ ao show um toque de distinção.” Carmen sĂł deixou o musical apĂłs 742 apresentaçÔes porque o estĂșdio Fox pagou aos produtores do espetĂĄculo US$ 60 mil para que ela encerrasse seu contrato com eles e voltasse Ă  CalifĂłrnia para filmar a comĂ©dia musical “Minha secretĂĄria brasileira” ao lado de Cesar Romero (futuro Coringa na TV). Neste perĂ­odo, fez gravaçÔes para a Decca, emplacando o hit “Chattanooga Choo Choo”.

Presença rara no streaming: Saiba onde ver os filmes da atriz e cantora Carmen Miranda

'Festa da Banana': Prefeitura de Teolùndia recorre de liminar e Justiça libera evento com show de Gusttavo Lima

Homenagens pelo mundo: AlĂ©m de Anitta, quem sĂŁo os brasileiros que tĂȘm estĂĄtuas de cera

'Amélia" é que e a mulher?

NĂŁo hĂĄ dados confiĂĄveis sobre paradas de sucesso brasileiras do começo do sĂ©culo XX, mas, segundo levantamento do site “Mais tocadas”, entre mĂșsicas lançadas em 1942 a mais ouvida hoje Ă© “Ai!, que saudade da AmĂ©lia”, composição de MĂĄrio Lago e Ataulfo Alves, seu primeiro intĂ©rprete. O samba inspirou-se na empregada domĂ©stica de Aracy de Almeida (9Âș lugar do mesmo ranking com “Fez bobagem”) e consagrou o conceito de “amĂ©lia” que estĂĄ no “DicionĂĄrio AurĂ©lio: “mulher que aceita toda sorte de privaçÔes e/ou vexames sem reclamar, por amor a seu homem”. Hoje, Ă© consenso: AmĂ©lia estĂĄ presa em um relacionamento tĂłxico.

10 mais tocadas hoje lançadas em 1942

1. “Ai! Que saudades da AmĂ©lia”, Ataulfo Alves 2. “Ave Maria no Morro”,Trio de Ouro 3. “Emilia”,Vassourinha 4. “EstĂĄ chegando a hora”, Carmen Costa 5. “Praça onze”, Castro Barbosa & O Trio de Ouro 6. “Aos pĂ©s da cruz”, Orlando Silva 7. “Nega do cabelo duro”, Anjos do Inferno 8. “Rosa Morena”, Anjos do Inferno 9. “Fez bobagem”, Aracy de Almeida 10. “Algum dia te direi”, Gilberto Alves Fonte: “Mais tocadas” (ADSL Network)

Orson Welles no Rio: 'CidadĂŁo Kane' cai na folia

O Oscar de 1942 Ă© cĂ©lebre por um prĂȘmio nĂŁo dado: o de melhor filme para “CidadĂŁo Kane”. A obra prima de Orson Welles perdeu o trofĂ©u principal para “Como era verde meu vale”, de John Ford; indicada a nove estatuetas, levou apenas a de roteiro original. Em compensação, naquele 26 de fevereiro em que “Kane” foi esnobado em Los Angeles, Welles jĂĄ completava 18 dias de trabalho e lazer no Rio. O cineasta chegou Ă  entĂŁo capital federal com a missĂŁo de filmar dois episĂłdios de “It’s all true”, um longa sobre a AmĂ©rica Latina: “Jangadeiros”, baseado na uma histĂłria real de quatro pescadores cearenses, e “Carnaval”, registro da festa no qual Welles fez muita “pesquisa de campo”. Inebriado com o Brasil, Welles consumiu boa parte do tempo e do orçamento com samba, cachaça e anfetaminas (para ganhar energia e, ele esperava, perder peso). ApĂłs seis meses, o estĂșdio RKO cancelou a farra e o filme — nunca concluĂ­do, mas parcialmente recuperado.

Esther Williams: rainha da piscina

TambĂ©m havia algo de diferente nas ĂĄguas dos EUA em 1942: era Esther Williams (Ă  dir., de biquĂ­ni), nadadora convertida em atriz e criadora das sequĂȘncias de nado sincronizado que inspiraram o esporte olĂ­mpico. Tudo começou na comĂ©dia “A dupla vida de Andy Hardy”, que estreou em dezembro.

Prazer, ZĂ© Carioca

Como parte da “polĂ­tica de boa vizinhança” dos EUA com seus vizinhos de baixo, a Disney criou o ZĂ© Carioca e pĂŽs o personagem de cara com o Pato Donald na animação “Saludos amigos”, um passeio musical pela AmĂ©rica do Sul.

'Casablanca', o suspeito de sempre

Era para ser uma peça de teatro. Mas alguĂ©m na Warner Bros. leu o texto de “Everybody comes to Rick’s”, escrito por Murray Burnett e Joan Alison, comprou os direitos e a histĂłria foi direto para a telona com um novo tĂ­tulo que atĂ© hoje faz suspirar os cinĂ©filos: “Casablanca”. O filme estreou em dezembro de 1942 pegando carona no interesse pelos combates no Norte da África, que estavam a toda. Hoje, o imbroglio entre nazistas, americanos, franceses e apĂĄtridas sem ĂŽnibus no Marrocos Ă© sĂł pano de fundo para o romance impossĂ­vel de Humphrey Bogart e Ingrid Bergman. Entre tantas falas antolĂłgicas ("De todas as espeluncas do mundo, vocĂȘ tinha de vir aqui"; "NĂłs sempre teremos Paris"; "Prendam os suspeitos de sempre"), tem uma que ficou famosa apesar de nĂŁo estar no filme: "'Play it again, Sam". Tudo bem: o importante Ă© tocar "As time goes by".

Submarino nazista afunda o Brasil na guerra

O governo Vargas (1930-1945) passou o começo da Segunda Guerra fazendo acenos aos Aliados (EUA, Reino Unido e RĂșsia) e ao Eixo (Alemanha, ItĂĄlia e JapĂŁo), buscando ganhar favores de ambos os lados. Mas esse jogo se tornou insustentĂĄvel depois que o submarino nazista U-507 afundou seis navios brasileiros entre 5 e 17 de agosto de 1942, o que levou Ă  morte de 600 pessoas. O Brasil declarou guerra contra Hitler naquele mĂȘs, e 25 mil soldados brasileiros lutaram na ItĂĄlia a partir de 1944.

Bar Adolf vira Bar Luiz

No Rio, bares de origem germĂąnica viraram alvo apĂłs os ataques do submarino nazista, e forçados a mudar de nome. O Berlim se inspirou no seu entorno e, apĂłs virar vasa de chĂĄs, se transformou no Bar Lagoa. Na Lapa, o Zeppelin tornou-se um insuspeito Bar Brasil. E um tradicional endereço da Rua da Carioca nĂŁo teve como manter sua fachada: em anĂșncio no GLOBO de 28 de agosto, o proprietĂĄrio Ludwig Voit declarou "ao bravo povo brasileiro" que “inteiramente solidĂĄrio com a causa comum dos povos livres, resolveu mudar o nome do Bar Adolf para Bar Luiz”.

Copacabana Ă s escuras

Desde a declaração de guerra do Brasil aos paĂ­ses do Eixo, em agosto, as cidades do litoral ficaram preparadas para eventuais ataques, fossem por mar, terra ou ar. Uma cartilha do governo, o “Catecismo da defesa passiva civil anti-aĂ©rea”, ensinava que para se defender de bombardeios como os que atingiam Londres era preciso apagar as luzes. Em setembro, o grau de paranoia chegou a tal nĂ­vel que Copacabana fez um apagĂŁo espontĂąneo durante trĂȘs noites, com escurecimento total do bairro. Por deixarem a luz acesa, dois alemĂŁes quase foram linchados.

GetĂșlio na carteira e na avenida

Em 5 de outubro, GetĂșlio Vargas assinou um decreto-lei mudando a moeda brasileira de Mil-rĂ©is para Cruzeiro e prestando uma auto-homenagem atĂ© hoje Ășnica na nossa RepĂșblica. No texto, o chefe do Estado Novo determinava que sua efĂ­gie ilustrasse a cĂ©dula de 10 cruzeiros e as moedas de 10, 20 e 50 centavos. Em nota relacionada e personalista, abria-se no centro do Rio a Avenida Presidente Vargas, que seria inaugurada em 1944, para alegria do homenageado.

No Uruguai, bola rolando

Distantes do front da guerra, sete paĂ­ses participaram do Campeonato Sul-Americano de Futebol entre janeiro e fevereiro de 1942. O anfitriĂŁo Uruguai sagrou-se campeĂŁo, com Argentina em 2Âș e Brasil em 3Âș. Craque do torneio? O uruguaio Obdulio Varela, capitĂŁo da seleção que calou o MaracanĂŁ em 1950.

Palestras viram Palmeiras e Cruzeiro

Além de bares, clubes identificados com o Eixo também foram rebatizados. O Palestra Itålia adotou um nome bem brasileiro, Palmeiras, e venceu o Paulista em uma campanha que ficou conhecida como Arrancada Heroica. Em Belo Horizonte, o Palestra Mineiro virou Cruzeiro, campeão estadual de 1943.

Heleno de Freitas, bad boy original

O artilheiro do Campeonato Carioca de 1942, vencido pelo Flamengo, foi o lendårio Heleno de Freitas, centroavante do Botafogo, que marcou 28 gols. Primeiro bad boy do futebol brasileiro, o Príncipe Maldito aos 22 anos estava no auge. Mais tarde, teve a carreira prejudicada pelo sangue quente e notórios vícios em lança-perfume e éter.

Nosso objetivo Ă© criar um lugar seguro e atraente onde usuĂĄrios possam se conectar uns com os outros baseados em interesses e paixĂ”es. Para melhorar a experiĂȘncia de participantes da comunidade, estamos suspendendo temporariamente os comentĂĄrios de artigos