Médicos realizam uma denúncia a cada hora por falta de recursos durante a pandemia ao CFM
De abril a julho deste ano, médicos realizaram em média uma denúncia por hora devido a falhas na infraestrutura de saúde ao Conselho Federal de Medicina. No período, foram mais de 2,5 mil denúncias, com quase 21 mil relatos de falta de recursos. Os problemas, que vão de escassez de insumos básicos à ausência de pessoal, atingem não apenas hospitais, mas também outras frentes de assistência à saúde, como prontos-socorros e unidades básicas de saúde. A maioria das reclamações foi feita por profissionais que atuam na rede pública do país. O levantamento foi feito pela agência Fiquem Sabendo a partir de dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação.
O número de problemas relatados é maior do que o de denúncias, uma vez que uma mesma denúncia pode incluir vários relatos diferentes. As principais reclamações são por falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), com 7.728 queixas. O item que mais falta é justamente um dos principais equipamentos de proteção contra o coronavírus: a máscara N95. São 1.805 relatos de falta desse produto (ou equivalentes), além de outras 1.187 notificações ao CFM sobre falta de máscaras cirúrgicas em geral.
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Também foram relatadas falhas no fornecimento de kits de exame para Covid-19, totalizando 1.088 queixas. Em junho, dados obtidos pela Fiquem Sabendo revelaram que o Ministério da Saúde mantém um estoque com 5,6 milhões de testes moleculares.
Materiais de higiene importantes para evitar a propagação do vírus também estão em falta, como álcool em gel, alvo de 769 reclamações e álcool a 70%, que motivou outros 574 relatos. A vulnerabilidade do sistema de assistência à saúde no país atinge até mesmo os recursos mais básicos, porém essenciais, como aventais, gorros, luvas papel toalha, sabonete líquido e desinfetantes.
“Essa pandemia veio apenas demonstrar toda a fragilidade que tem a estrutura pública de atendimento à sociedade”, pontua Hideraldo Cabeça, 1º secretário do Conselho Federal de Medicina.
Uma vez recebidas as denúncias por meio da plataforma, a organização faz a checagem e realiza fiscalizações in loco, se houver necessidade de intervenção urgente. “O déficit na infraestrutura aumenta o risco de segurança não só para os pacientes como para os profissionais de saúde”, ressalta Cabeça.
É o que explica também a presidente interina do Sindicato dos Enfermeiros do Estado de São Paulo, Elaine Leoni. “A falta de estrutura física e organizacional leva os profissionais atuarem no seu limite físico e emocional”, afirma. “Eles assumem longas jornadas, sem períodos adequados de descanso e muitas vezes sem autonomia. Tudo isso leva ao adoecimento do profissional, incluindo o psíquico.”
Déficit de pessoal e de leitos
Além da insuficiência de equipamentos, os médicos se preocupam ainda com a escassez de pessoal para atendimento em meio à pandemia. Foram mais de 2,7 mil reclamações relacionadas a recursos humanos. A insuficiência de equipe médica lidera, com 704 queixas, seguida de relatos de falta de técnicos de enfermagem e de enfermeiros. Para Victor Dourado, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (SIMESP), a baixa oferta de profissionais da saúde está relacionada à falta de concursos públicos. “Sem novos profissionais entrando, o serviço vai ficando cada vez mais atrofiado em termos de pessoal”, explica.
Foram comunicados também episódios envolvendo dificuldade de acesso a leitos, sendo 1.131 relatos. Destes, 542 referem-se a leitos de UTI, o correspondente a quase metade (48%) do total. No caso das unidades de tratamento intensivo, 381 reclamações dizem respeito a leitos adultos e 161 a leitos pediátricos em falta.
“Nos últimos 10 anos, houve uma diminuição progressiva de leitos hospitalares no país, com uma perda de quase 40 mil leitos”, afirma Dourado. “Esse processo de subfinanciamento crônico e arrocho dos gastos não é uma crise, é um projeto, que se reflete na pandemia e nos faz perceber quão importantes eram esses investimentos em diversos setores, como infraestrutura e pessoal.”
Escassez nos estados
Os relatos vêm principalmente da rede pública, sendo que 85% deles foram realizados por profissionais desse sistema, contra apenas 13,7% de hospitais particulares e filantrópicos. Ainda houve aqueles que não informaram o caráter da rede hospitalar (1,3%). Os principais estados em apuros, segundo o levantamento, são também aqueles mais afetados pela Covid-19, o Sudeste e o Nordeste, respectivamente.
O Sudeste, com 1.074 denúncias, se aproxima de 1,3 milhão de casos da doença e registra mais de 52 mil mortes. Em segundo lugar no ranking de denúncias, com 747, o Nordeste tem mais de 1 milhão de contaminados e já superou a marca de 34 mil óbitos, conforme dados oficiais das Secretarias Estaduais de Saúde.
Conforme pontuam os especialistas entrevistados, a região Sudeste é também a que comporta o maior número de médicos no país, o que pode ser uma das explicações para essa fatia maior de denúncias provenientes da região. Segundo a pesquisa Demografia Médica 2018, a região tem uma densidade médica por habitante de 2,81, contra 1,16 no Norte, por exemplo, que é a região com menor número de denúncias de infraestrutura. Do mesmo modo, o número mais baixo pode não significar, portanto, menor número de irregularidades no sistema.
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