Um ano após a maior revolta social do país, Chile decide se terá ou não nova constituição
No próximo domingo, 25, os chilenos vão às urnas para decidir se querem ou não uma nova constituição para o país. A votação foi proposta após as grandes revoluções sociais que aconteceram no país em 2019.
No último domingo, 18, no aniversário do chamado “estalido social”, milhares de chilenos foram às ruas. A maior parte das bandeiras vistas levava a palavra “apruebo”, ou seja, pela aprovação de uma nova constituição para o país.
O início das movimentações populares em 2019 é parecido com aquilo que o Brasil viveu em junho de 2013, com o aumento das passagens do transporte público. O motivo foi o mesmo, mas o desenrolar, distinto.
Depois da decisão do governo federal de aumentar o valor das passagens, estudantes foram às ruas em todo o Chile para protestar. O mote das mobilizações também lembrava o contexto brasileiro: “não são só 30 pesos, são 30 anos”. No Brasil, não eram só “20 centavos”.
Os chilenos levaram para as manifestações tantas outras insatisfações, como o sistema de saúde, as pensões de aposentados, que são muito baixas, e os problemas da educação pública, que não tem qualidade.
O país não tem um sistema com o SUS, que pode acolher qualquer cidadão que precise de atendimento. É preciso estar coberto por um plano de saúde, que está ligado ao emprego. Um desempregado pode requerer uma isenção de pagamento, mas há um sistema para que esse pedido seja aprovado.
A educação básica pública não tem qualidade e, no ensino superior, mesmo as universidades públicas são pagas. Outro problema importante no país é o sistema de capitalização das pensões, modelo no qual baseava-se Paulo Guedes para propor uma mudança no sistema brasileiro. Os valores recebidos pelos aposentados são muito baixos, o que provoca grande insatisfação.
Após o “estalido social”, foi proposto o plebiscito para decidir se será redigida uma nova carta magna chilena.
Como explica Fernando Astudillo Becerra, advogado constitucionalista e doutor em direito pela Universidad de Valparaiso, a constituição do Chile é baseada em princípios neoliberais, ou seja, não dá direitos, mas liberdades.
“Os que votam por uma nova constituição imaginam construir uma sociedade com um estado que entenda que seu papel é estar primeiro à serviço do conjunto da comunidade, que entende que a propriedade tem uma função social, não só um objetivo individual”, explica.
Criada em 1980, durante a ditadura militar de Augusto Pinochet, a constituição chilena já passou por mudança em duas ocasiões, em 1989 e 2005. No entanto, ainda desagrada parte da população. Para a antropóloga e professora da Universidad Academia de Humanismo Cristiano, Francisca Fernández, uma nova carta magna para o país seria importante para encerrar, definitivamente, a etapa da ditadura.
“Com uma nova constituição, não vamos acabar com o neoliberalismo, também é preciso ser responsável. Mas, com uma nova constituição é possível fazer uma transição, uma engrenagem que, finalmente, permita defender direitos inalienáveis”, opina. “A revolta de outubro colocou uma frase que me parece muito potente: no Chile nasce e morre o neoliberalismo.”
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No próximo dia 25, os chilenos poderão escolher se aprovam ou não uma nova constituição. Uma segunda cédula questionará se a população prefere convenção constitucional, formada integralmente por representantes do povo, ou convenção constitucional mista, formada por representantes da população e também por parlamentares chilenos.
Na avaliação de Becerra, aqueles que são contra uma nova constituição querem a manutenção da sociedade chilena como é hoje. A expectativa é que mesmo a direita vote pela aprovação do novo texto, mas pela convenção constitucional mista.
Após a decisão e a formação da constituinte, os representantes terão até um ano para apresentar a proposta. Em seguida, o país fará um novo plebiscito para aprovar, ou não, a redação da nova constituição.