Congresso levou 30 anos para enterrar LSN. Bolsonaro engoliu, com vetos

Brazil's President Jair Bolsonaro (C) walks during a ceremony to honor Brazilian military athletes who went to the Tokyo 2020 Olympic Games at the Navy Sports Headquarters in Rio de Janeiro, Brazil on September 01, 2021. (Photo by MAURO PIMENTEL / AFP) (Photo by MAURO PIMENTEL/AFP via Getty Images)
Jair Bolsonaro durante cerimônia de condecoração da Marinha. Foto: Mauro Pimentel/ AFP (via Getty Images)

A sanção, com vetos parciais, do presidente Jair Bolsonaro ao projeto de lei que revoga a Lei de Segurança Nacional, um entulho dos tempos da ditadura, acontece entre dois momentos-chave de tensão na relação com o Congresso e o Judiciário.

A proposta foi votada pelo Senado no mesmo dia em que blindados cruzaram Brasília para levar em mãos um convite para que o presidente da República assistisse a um exercício militar da Marinha em Formosa (GO). No mesmo dia, a Câmara dos Deputados enterrava o projeto do voto impresso.

Bolsonaro era pressionado por alguns militares a vetar a revogação da LSN aprovada pelos senadores, que seria substituída por um capítulo do código penal.

No fim, o presidente vetou apenas alguns trechos. Importantes, mas com certa razão. Um deles é o que punia com até cinco anos de prisão quem promovesse ou financiasse campanha ou iniciativa para disseminar fatos inverídicos e capazes de comprometer a “higidez” do processo eleitoral.

Nas redes, Bolsonaro foi acusado de sancionar em causa própria. Alto lá.

Em sua justificativa, o presidente explicou que a redação da lei não deixava clara qual conduta seria objeto da criminalização, se daquele que gerou a notícia ou de quem a compartilhou.

Também apontou dúvida sobre se o crime seria continuado ou permanente e se haveria um “tribunal da verdade” para definir o que seria punível ou não.

Nenhuma mentira ali. Se queriam avançar neste ponto, os parlamentares ficaram devendo uma redação mais clara.

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Ainda assim os vetos podem ser derrubados pelo Congresso —que certamente derrubaria o veto integral do presidente, caso Bolsonaro não cedesse os dedos para não perder as mãos.

Até então, a Lei de Segurança Nacional era o principal instrumento usado para perseguir críticos e adversários de seu governo. Como nos tempos em que foi forjada, para definir os crimes contra a ordem política e social, já no fim da ditadura.

Servia para enquadrar influencers como Felipe Neto e também os autores de um outdoor no Tocantins dizendo que o presidente não valia um “pequi roído”.

Para se ter uma ideia, entre 2015 e 2016 foram abertos 20 inquéritos pela Polícia Federal com base na lei. Entre 2019 e 2020, os dois primeiros anos da gestão Bolsonaro, foram 77 investigações.

Quem melhor usou o instrumento a favor do presidente foi seu ex-ministro da Justiça, André Mendonça. Ele foi premiado, logo depois, com a indicação para o Supremo Tribunal Federal.

A nova lei aprovada pelo Congresso tem avanços consideráveis em relação à velha LSN e a um artigo, também revogado, da Lei das Contravenções Penais, que previa até seis meses de detenção para quem participasse em segredo de associação periódica de mais de cinco pessoas. Atraso dos atrasos.

A nova lei tipifica o crime de tentativa de abolição do Estado democrático de Direito, o golpe de Estado (para quem “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”) e os crimes contra o processo eleitoral para quem impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, “mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico”.

A "vacina" é uma resposta e tanto para quem promete melar as próximas eleições em caso de derrota. Mas que teve de sancionar a nova norma para não ser desmoralizado com a derrubada total dos vetos pelo Congresso.

O mesmo Congresso levou 30 anos para revogar a lei instituída em 1983. Mas o projeto só andou após ameaças e perseguições se tornarem a tônica da relação da Presidência com outros Poderes, a Justiça eleitoral, a imprensa profissional e parte da sociedade civil.

A velha LSN foi derrubada no intervalo entre o desfile dos tanques e a manifestação pró-Bolsonaro de 7 de Setembro, quando uma multidão promete ir às ruas para atacar o voto eletrônico, adversários e integrantes de outros Poderes.

Nos últimos atos, os mais excitados pediam intervenção militar, com Bolsonaro no poder. Ele agora se vê obrigado a transformar em festim as balas de uma das armas mais usadas para perseguir adversários.