Criticado, Aras ganha mais 2 anos como PGR com endosso do Senado
A recondução de Augusto Aras para o cargo de procurador-geral da República jogou por terra alguns dos mitos que supostamente explicam a distensão institucional reinante no país.
Uma delas é a de que Jair Bolsonaro é o único responsável pelas más escolhas e decisões de sua administração. Augusto Aras, escolhido fora da lista tríplice entre uma série de procuradores sabatinados num tête-à-tête improvisado pelo presidente, é uma delas.
Na função, não só ganhou a fama de poste-geral da República, em razão do alinhamento e as omissões com todo tipo de ameaça produzida pelo responsável por sua indicação, como passou a perseguir quem o chamava assim. Existe um lugar muito especial para ele na história, mas até lá dá pra fazer vista grossa para muita tempestade no presente.
Outro mito caído por terra é que Bolsonaro é um presidente acorrentado, sem apoio parlamentar ou parceiros instalados em postes-chave (perdão pelo trocadilho) da República e só por isso não consegue fazer nada como presidente além de gastar os dias produzindo crises no Twitter, conversando com apoiadores no cercadinho do Planalto ou passeando de moto com seus bajuladores. O procurador indicado pelo pobre presidente sem apoio recebeu o apoio de 55 senadores —precisava de 41 — e só dez votos contrários.
Aras já havia sido endossado pelos senadores para um primeiro mandato. Mas não tinha uma pandemia no caminho.
O resultado garantiu ao capitão mais dois anos de blindagem. Ele e seus apoiadores podem espalhar mentiras sobre as urnas, atacar membros de outros Poderes, endossar manifestações que pedem golpe militar e sabotar as medidas sanitárias de contenção da covid-19 normalmente sem ser incomodados.
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Estudo conduzido pelos pesquisadoras da FGV Direito SP Eloísa Machado e Luíza Pavan Ferraro apontou que entre 2019 e 2021 a Procuradoria Geral da República propôs apenas 1,74% das ações contra atos do governo no período — que coincide, vale lembrar, com uma série de ataques à saúde pública. Sob o comando de Augusto Aras, segundo as autoras, a PGR não tem exercido papel de controle sobre atos de Bolsonaro quando chamada a se manifestar nas ações. Os dados, afirmam, mostram que a Procuradoria tem se valido do uso do tempo para evitar eventuais confrontos com o presidente nas ações em tramitação no Supremo. Foram 148 manifestações em um total de 287 ações — um terço delas após a perda de objeto por revogação de decreto, caducidade ou conversão de medida provisória em lei.
A conclusão das autoras é que, quando se manifestam sobre os méritos das ações, há um alinhamento quase total (85,7% dos casos) entre PGR e a Advocacia Geral da União, mesmo quando os atos questionados representem “um processo deliberado de degradação democrática, ameaças a direitos fundamentais e insegurança sanitária frente à pandemia”.
Um desses atos em consonância foi a defesa da produção e distribuição de cloroquina e hidroxicloroquina, medicamento sem eficácia comprovada contra a covid.
Durante a sabatina com os senadores, Aras ofereceu uma ginástica semântica para negar o alinhamento com o presidente. Disse ele que “o PGR e o MP como um todo deve agir dentro da técnica-jurídica-formal não pode se igualar a quem recebe um mandato eletivo, tem que trabalhar dentro da Constituição e das leis, de maneira que quando eventualmente o procurador ou o MP manifesta-se pelo não conhecimento de uma ação e em outro parecer manifesta-se no mérito não significa, num caso ou no outro, defender uma posição”.
Conselheiro Acácia não falaria melhor.
O trunfo de Aras, que une senadores supostamente independentes e bolsonaristas, é outro. O atual procurador-geral é parte fundamental na história do desmonte recente da Lava Jato, força-tarefa que, segundo ele, serviu para criminalizar a política.
Era música para os ouvidos dos senadores, que aprovaram a sua recondução por margem considerável de votos.
Como resumiu o professor de Direito da USP Conrado Hübner, um dos alvos do procurador, a sessão mostrou uma forma arrojada de fazer oposição a Bolsonaro: “gritar ‘genocida’ e votar pela recondução de quem libera a delinquência presidencial”.