Reunião da Anvisa que aprovou vacinas é resposta didática ao negacionismo
Por mais que soe estranha a transmissão ao vivo, com ares de espetáculo, de uma decisão técnica, a reunião da Anvisa que liberou o uso emergencial das vacinas da Oxford e a Coronavac no país serviu como episódio didático de uma novela, até aqui, dominada por desavenças políticas, desconfiança e desinformação.
Última etapa antes do início da imunização, a aprovação da agência nacional de vigilância sanitária foi o programa de domingo para uma multidão que só agora, dez meses após o início da pandemia, vê uma luz num túnel escurecido por sandices e negacionismos de toda ordem.
Relatora do pedido de aprovação das vacinas, Meiruze Freitas foi quem deu a melhor resposta para quem passou os últimos meses alimentando e sendo alimentado por teorias da conspiração de inspiração xenobófica, incutida na expressão "vacina chinesa" --aprovada hoje, a Coronavac foi desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac.
"Guiada pela ciência e pelos dados, a equipe concluiu que os benefícios conhecidos e potenciais dessas vacinas superam seus riscos. Os servidores vêm trabalhando com dedicação integral e senso de urgência", disse Meiruze Freitas.
Em seu pronunciamento, ela lembrou que, até o momento, "não contamos com alternativa terapêutica aprovada para prevenir ou tratar a doença causada pelo novo coronavírus". Era uma resposta ao mantra governista segundo o qual as mortes por coronavírus no país, que já se aproximam de 210 mil, teriam sido evitadas caso fosse adotado tratamento precoce --seja lá o que isso significa.
Leia também:
Bolsonaro apostava em população vacinada por cloroquina na região norte
Anúncio em 2 tempos da Coronavac gera confusão desnecessária
Nem emprego nem vacina: na crise, Bolsonaro prioriza acesso a armas
Fakes sobre vacina e sistema eleitoral: como desativar a bomba da ignorância?
Briga por vacina antecipa figurinos de Doria e Bolsonaro para 2022
Golpe de Trump não é teaser. É cena de um filme já rodado por aqui
O que une PT a candidato de Rodrigo Maia na disputa pela Câmara?
Tentativa de golpe de Donald Trump deveria ligar alerta por aqui
"Compete a cada um de nós, instituições públicas e privadas, sociedade civil e organizada, cidadão, cada um na sua esfera de atuação tomarmos todas as medidas ao nosso alcance para no menor tempo possível diminuir o impacto sobre a vida do nosso país”, disse a relatora, justificando seu voto.
A repercussão no Twitter foi imediata. "Viva a ciência", "Viva o SUS" e "Vem Vacina" tomaram a dianteira na rede social favorita de Jair Bolsonaro, o negacionista-mor da pandemia. Seus apoiadores até tentaram, como resposta, sacar do coldre a hashtag #tratamentoprecocesalvavidas. Ficaram falando sozinhos.
Minutos após a aprovação, a enfermeira Monica Calazans, 54, que há dez meses está na linha de frente de um hospital em São Paulo, se tornou a primeira brasileira imunizada. João Doria (PSDB), como se usasse ainda o slogan “acelera”, que marcou sua campanha, estava ao seu lado, com uma camisa escura, bandeira do Brasil ao centro, e recado de que a vacina do Butantan, o instituto paulista, é a vacina do Brasil.
Cenas assim tendem a ser repetidas e repetidas nos próximos capítulos, estes com finais mais alegres, e menos macabros, do que os anteriores.
O capítulo deste domingo, com a votação às claras da Anvisa, para quem quisesse assistir, foi antes de tudo uma resposta sorora, ao vivo e em cores, ao negacionismo que aprofundou fissuras e alargou a tragédia do coronavírus no país.