Artigo: O BC e os fatores ESG: pontos de atenção na nova regulação bancária de riscos sociais, ambientais e climáticos

No dia 15 de setembro de 2021, o Banco Central do Brasil (BCB) publicou o primeiro Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticas, que compõe a agenda BC#, no pilar “Sustentabilidade” . Nesta mesma data — após ter recebido contribuições da sociedade civil no âmbito das Consultas Públicas 82/2021, 85/2021 e 86/2021 — a autoridade de supervisão bancária publicou importantes alterações quanto a gerenciamento de riscos ESG.

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As novas alterações que compõem o espectro normativo do BCB acerca de fatores ESG dizem respeito principalmente: (a) à Resolução CMN nº 4.557, de 23 de fevereiro de 2017 (Res. CMN nº 4.557/2017), com a inclusão de seção específica e aprimoramento de definições e de requisitos aplicáveis ao gerenciamento dos riscos social, ambiental e climático pelas instituições enquadradas no Segmento 1 (S1), no Segmento 2 (S2), no Segmento 3 (S3) e no Segmento 4 (S4); (b) à Resolução CMN nº 4.606, de 19 de outubro de 2017 (Res. CMN nº 4.606/2017), com a inclusão de seção específica e aprimoramento de definições e de requisitos aplicáveis ao gerenciamento dos riscos social, ambiental e climático pelas instituições enquadradas no Segmento 5 (S5) — estas duas alterações tratadas via Res. CMN nº 4.943/2021; e (c) à publicação da Res. CMN nº 4.495/2021, em substituição à Res. CMN nº 4.327/2014, contendo requisitos aplicáveis às instituições enquadradas no S1, no S2, no S3, no S4 e no S5, relativamente ao estabelecimento da Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC) e à implementação de ações com vistas à sua efetividade.

Conforme as regulações citadas, as instituições serão exigidas para administrar esses riscos de forma transparente, objetiva, integrada e consistente com o modelo de negócio da própria instituição. Seria importante para a instituição regulada, portanto, saber: quais são os principais pontos de atenção prático-normativos trazidos pela Res. CMN nº 4.943/2021 e pela Res. CMN nº 4.495/2021? Quais aspectos conclusivos são possíveis extrair de tais textos normativos?

Gerenciamento de riscos

A Res. CMN nº 4.943/2021, vigente desde 1º de julho de 2022, inovou ao destacar, dentre riscos específicos ao gerenciamento de riscos, o social, o ambiental e o climático, exemplificando seus casos de incidência.

O risco social é conceituado como a possibilidade de ocorrência de perdas para a instituição ocasionadas por eventos associados à violação de direitos e garantias fundamentais ou a atos lesivos a interesse comum, sendo este interesse aquele associado a grupo de pessoas ligadas jurídica ou factualmente pela mesma causa ou circunstância, quando não relacionada à definição de risco ambiental, de risco climático de transição ou de risco climático físico.

O risco ambiental relaciona-se à possibilidade de ocorrência de perdas para a instituição ocasionadas por eventos associados à degradação do meio ambiente, incluindo o uso excessivo de recursos naturais.

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O risco climático é dividido em duas vertentes, quais sejam a de transição e a física. O risco climático de transição é atinente à possibilidade de ocorrência de perdas para a instituição ocasionadas por eventos associados ao processo de transição para uma economia de baixo carbono. O risco climático físico se relaciona com a possibilidade de ocorrência de perdas para a instituição ocasionadas por eventos associados a intempéries frequentes e severas ou a alterações ambientais de longo prazo, que possam ser relacionadas a mudanças em padrões climáticos.

Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC)

A PRSAC, prevista na Res. CMN nº 4.495/2021, tem observância obrigatória para instituições do S3, do S4 e do S5 desde 1º de dezembro de 2022 e, para as do S1 e S2, desde 1º de julho de 2022.

Didaticamente, a PRSAC pode ser dividida em cinco fases, que são (i) Elaboração; (ii) Aprovação; (iii) Implementação; (iv) Testes; e (v) Plano de Ação/ Revisão, tal como se observa da representação gráfica abaixo.

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Na fase de elaboração da PRSAC, devem ser considerados: (i) o impacto de natureza social, de natureza ambiental ou de natureza climática das atividades e dos processos da instituição, bem como dos produtos e serviços por ela oferecidos; (ii) os objetivos estratégicos da instituição, bem como as oportunidades de negócios relacionadas a aspectos de natureza social, de natureza ambiental e de natureza climática; e (iii) as condições de competitividade e o ambiente regulatório em que a instituição atua.

A aprovação da PRSAC tem início com o diretor responsável pela política. Ele deve submeter a PRSAC ao Conselho de Administração ou, na ausência deste, à diretoria da instituição que deverá avaliar a conformidade do texto com os comandos da Res. CMN nº 4.945/2021. O Comitê de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática, obrigatório somente para instituições do S1 e do S2, também deverá participar da aprovação da PRSAC.

A implementação da PRSAC é primeiramente responsabilidade do diretor responsável, que deve adotar expedientes aptos à efetividade da política. Esta competência é partilhada com o Conselho de Administração ou, em sua ausência, com a diretoria da instituição.

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A fase de testes, que também deve contar com o diretor responsável, o Conselho de Administração, o Comitê de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática e a diretoria, precisa possuir critérios claros e passíveis de verificação. Além disso, é necessário que os processos relativos ao estabelecimento da PRSAC e à implementação de ações com vistas à sua efetividade sejam avaliados periodicamente pela auditoria interna da instituição.

A instituição deve elaborar plano de ação/revisão que contemple a necessidade de ajustes substanciais para correção de falhas detectadas na fase de testes da política. É obrigatório que, independentemente do cenário fático, a instituição revise a PRSAC após 3 (três) anos contados a partir de sua implementação. Conclusivamente, temos que o BCB — via novo arcabouço normativo de sustentabilidade, pelos vieses social, ambiental e climático — encontra-se em compasso com as mais avançadas iniciativas internacionais sobre o tema. De qualquer modo, muito embora exista certa carga de ineditismo nas novas normas, é importante notar que as instituições supervisionadas já possuem a necessária expertise à célere acomodação da nova regulação, uma vez que, desde 2014, observam à gestão de riscos socioambientais.

Sobre os autores:

Eduardo Bruzzi - Sócio do BBL Advogados e head da área consultiva regulatória de Payments, Banking, Fintech & Cypto. Mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio, Visiting Scholar pelo Institute for Law & Finance da Goethe-Universität de Frankfurt, Membro da Comissão de Direito Público da OAB/RJ, Professor da pós-graduação em Direito Regulatório da UERJ, autor e coordenador do livro “Banking 4.0: Desafios jurídicos e regulatórios do novo paradigma bancário e de pagamentos”.

Aylton Gonçalves - Associado Sênior da área consultiva regulatória de Payments, Banking, Fintech & Crypto do BBL Advogados. Mestrando em Direito pelo IDP. Professor da Escola Superior da Advocacia do DF (ESA/DF). Membro das Comissões de Direito Bancário e de Direito Digital, Tecnologias Disruptivas e Startups da OAB/DF. Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Regulação Econômica e Direito Regulatório do IDP - GEDIR/IDP.

Hsia Hua Sheng - Professor associado de finanças na FGV- EAESP e vice-presidente do Bank of China (Brasil) S.A.. graduado em economia pela Universidade de São Paulo (FEA - USP), doutor e mestre em administração em finanças pela FGV - EAESP e foi visiting scholar na NYU Stern School of Business e na Shanghai University of Finance and Economics (SHUFE). Hsia Sheng é especialista em finanças e investimentos internacionais.