Beija-Flor leva faixas e causas sociais a desfile

Na Sapucaí, uma verdadeira passeata: foi o que se transformou o desfile da Beija-Flor de Nilópolis este ano, em que a escola encampou diferentes bandeiras sociais a seu “gritos dos excluídos” na Avenida. Nas alas dos últimos setores da azul e branco, surgiram faixas com mensagens como “Haverá espetáculo mais lindo do que ter o que comer?”, “Lute como uma mulher” e “Não ao marco temporal”, esta última em referência à demarcação de terras indígenas. E, ao lembrar racismo, machismo e outros problemas que atingem as minorias, o samba virou protesto.

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Na alegoria “Por um novo nascimento”, surgia uma imensa escultura de uma mulher preta costurando uma versão diferente da bandeira do Brasil — inclusive com uma foto do congolês Moïse Kabagambe, morto há pouco mais de um ano na Barra da Tijuca. Já a ala “Enquanto houver racismo, não haverá democracia” trazia adereços de mão com as palavras “liberdade plena” e “igualdade”.

O ponto de partida para tratar esses assuntos ao enredo foi o 2 de julho de 1823, quando uma revolta com pessoas escravizadas, mulheres e indígenas expulsou os portugueses do estado, dos carnavalescos Alexandre Louzada e André Rodrigues.

— O Dois de Julho representa a real expulsão dos invasores, é uma revolução que acontece de forma popular — disse Rodrigues.

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Para ele, a construção de histórias políticas “faz parte do DNA” da Beija-Flor, e trazer o Dois de Julho para a Avenida partiu de uma provocação sobre a ausência de enredos sobre o bicentenário da independência, no ano passado. Mesmo marcado por dois princípios de incêndio, o desfile da Beija-Flor foi premiado com o Estandarte de Ouro de melhor escola.

O historiador Luiz Antonio Simas, que acompanha a festa há décadas, avalia que, nos últimos anos, houve um resgate das origens do carnaval, com agremiações trazendo a subversão para a Avenida. Esse caminho, para ele, veio em paralelo com a ascensão política da extrema-direita, quase como um movimento reativo:

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— Tem o avanço do conservadorismo, de uma extrema-direita, de igrejas pentecostais que demonizam o carnaval. Na outra ponta, tem o protagonismo de grupos socialmente minoritários, com o protagonismo negro, a mulher assumindo as narrativas das escolas, a verdadeira denúncia da nossa ancestralidade hetero-patriarcal e branca. Evidentemente, vai muito além da Avenida.

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— Sabemos que as escolas sofrem processos para a sua manutenção e sobrevivência. Ela (a Beija-Flor) não foi a única a apoiar a ditadura. Outras também tiveram enredos ufanistas. A história das escolas de samba é complexa, e o processo de sobrevivência envolve fazer negociações. Vai flertar tanto com governo de direita quanto de esquerda.

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Para Aniz Abraão David, o Anísio, bicheiro que comanda a Beija-Flor há décadas, não se trata de uma fase nova.

— Todo ano temos que escolher um novo enredo — disse ele.

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Na década de 1970, a Beija-Flor fez desfiles exaltando a ditadura militar, como “O grande decênio”, em celebração aos 10 anos do golpe. Na madrugada de terça-feira, o quarto carro alegórico da escola, “O chumbo da autocracia”, apresentou componentes fantasiados de “general autocrata”, “soldados mandados”, “vigilante do poder” e “vigias”. A escola segue uma tendência: quase todas incluíram pautas políticas em seus desfiles.