O que Bolsonaro ganha tirando o corpo fora dos debates na TV? Muito
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- Jair BolsonaroCapitão reformado, político e 38º presidente do Brasil
Jair Bolsonaro, presidente que levou o nível da discussão pública para a camada do pré-sal, está preocupado com a qualidade dos debates eleitorais. Temendo tomar bancada dos “dez candidatos” (contas dele) que irão para o embate na TV, ele já avisou que só participará de encontros do tipo no segundo turno.
Com isso, tornam-se oficialmente reais as chances de que a eleição seja decidida sem que nenhum candidato estapeie ou seja estapeado diante dos telespectadores. Uma perda tanto para quem gosta de enfrentamento (o acervo das últimas eleições é rico em duelos do tipo) quanto para quem quer ver testada, ao vivo e diante das câmeras, a inteligência emocional de seu candidato fora de seu habitat natural.
A de Bolsonaro habita há pelo menos quatro anos, contando as últimas eleições, em um seguro cercadinho composto por bajuladores. De quando em quando algum desavisado ou infiltrado consegue tirar o presidente do sério ao fazer perguntas incômodas no meio da claque. Digite aí em qualquer buscador da internet as tags “Bolsonaro” “se” “irrita” “apoiador” e divirta-se.
Bolsonaro, tanto em sua versão candidato como na de presidente eleito, não gosta de prestar conta de atos, ações e omissões. Evitou conceder entrevistas a veículos que pudessem confrontá-lo ou questionar versões fantasiosas da realidade. Essas foram divulgadas aos montes nas redes e em canais simpáticos ao presidente.
No último encontro, até a saúde sexual do ex-capitão foi questionada por um conhecido sabujo do entretenimento disfarçado de jornalismo. É onde Bolsonaro se sente bem.
Sabe onde o presidente não se sente bem? Isso mesmo, no tete-a-tete com outros candidatos.
Em 2018, antes do atentado a faca sofrido por ele na campanha, seu desempenho foi sofrível. Em um desses debates, ele foi jantado por Marina Silva (Rede) por ter ensinado uma criança a fazer arminha com a mão.
Alegando problemas de saúde, ele fugiu de encontros do tipo como o diabo da cruz. Tinha motivos para isso –além de uma fila de jornalistas chapa-branca dispostos a levar ao ar, no momento dos debates reais em emissoras concorrentes, perguntas camaradas ao já então favorito da corrida.
Bolsonaro, é bem verdade, não é o primeiro nem será o último candidato a fugir dos debates na TV.
Lula, seu principal adversário, já fazia isso quando despontava como favorito em 2006. No segundo turno, quando a água subiu ao pescoço, ele topou ir ao embate. Geraldo Alckmin, hoje seu pré-candidato a vice, bateu tanto que assustou seus eleitores. Ele terminou o segundo turno com menos votos do que conseguiu no primeiro.
Mais que um feito, um sinal de que o eleitor quer um pouco de equilíbrio e serenidade no meio do inevitável tiroteio de ideias.
O eleitor pode achar estranho que o presidente que mais propaga violência agora tenha medo das pancadas que pode tomar na TV. E lembrar que, diferentemente de outras disputas, o candidato à reeleição dessa vez não é o favorito.
O debate não é, então, uma oportunidade de mostrar para um público maior do que seu cercadinho seus planos para o país? Ou suas justificativas, ainda que esfarrapadas, sobre a crise da qual não conseguimos sair?
É e não é.
O eleitor menos apaixonado ou vulnerável ao canto dos cisnes do populismo de direita já percebeu que o atual presidente não sofre apenas de déficit de inteligência emocional, mas também cognitiva. A chance de se embananar com números, planos e projetos é imensa.
Bolsonaro pode arrancar aplausos dos eleitores mais fieis, mas dificilmente conseguiria transmitir alguma segurança ao eleitor desconfiado ao ser questionado sobre por que não tomou vacina, por que demorou a comprar os imunizantes, por que ataca tanto um sistema de votação que o elegeu há quatro anos, por que deixou ao centrão o comando do chamado orçamento secreto, o que viu nos olhos de Valdemar Costa Neto ao se filiar ao PL, por que a CGU precisou interromper processos de compras de laptops e mesas com preços suspeitos, o que levou à queda de Ricardo Salles após uma operação da PF contra madeireiros, o que explica os gastos de seu cartão corporativo nas férias ou se ele acredita mesmo que seu filho conseguiu comprar uma mansão de R$ 6 milhões apenas trabalhando como advogado.
São perguntas que parte do público gostaria de ver respondidas.
Lula não faz questão de fazê-las frente a frente porque lidera a corrida sem elas. Sem Bolsonaro, dificilmente ele vai topar virar o boi de piranha de Ciro Gomes, o franco atirador remanescente da disputa.
A estratégia de Lula e Bolsonaro, inclusive, tem sido ignorar as provocações lançadas pelo pedetista em suas redes. Por que dariam palanque a ele na TV?
O certo é que hoje, sem a possibilidade de testar a convicção do voto com o desempenho dos candidatos no debate, o eleitor tem tudo para decidir a peleja antes mesmo do segundo turno.
Isso favorece quem está na frente. E Bolsonaro, ganharia o quê?
Bem. Bolsonaro sabe que pode não ser reeleito. Mas seus aliados, entre eles integrantes da família, serão. E serão a base do bolsonarismo no Congresso e parte dos executivos estaduais durante quatro anos.
Seu ídolo Donald Trump perdeu as últimas eleições nos EUA e submergiu após a tentativa frustrada de virar a mesa na invasão do Capitólio. Virou uma espécie de Rei Sebastião ianque à espera do retorno triunfal. Não sem antes os republicanos engordarem sua bancada no Congresso de meio de mandato.
Bolsonaro pode não levar a disputa principal em outubro, mas não sairá de cena. Jogar parado, sem risco de ser nocauteado em público na TV, é uma forma de ajudar sem atrapalhar o movimento que leva seu nome.