Bolsonaro leva na garupa da moto sua crise de insegurança aguda
A não ser que quisesse celebrar com um grande buzinaço e euforia a chegada dos 450 mil mortos por covid-19 no país, politicamente não faz o menor sentido a “motociata” protagonizada no domingo 23 por Jair Bolsonaro e companhia pelas ruas do Rio de Janeiro.
O deboche em forma de palanque político e campanha antecipada foi coroado com a participação especial do general da ativa Eduardo Pazuello. Na presença da sua turma, o ex-ministro da Saúde nem parecia o depoente convertido às boas práticas sanitárias apresentado na CPI da Pandemia.
Com o ato, Bolsonaro conseguiu contratar mais uma crise com o Exército. Talvez quisesse produzir um mártir ao forçar seu obediente ex-subordinado, que tomou uma surra nas redes após sua performance na CPI, a praticar um crime contra a própria instituição que representa ou deveria representar. O Regulamento Disciplinar do Exército proíbe seus integrantes da ativa de participarem de ato político.
Do mais, o evento serviu para que apoiadores que já apoiam Bolsonaro manifestassem apoio ao capitão. A repetição da palavra aqui é proporcional. Dificilmente quem desaprova a conduta do presidente durante a pandemia mudou de opinião ao ver, das janelas de casa ou das redes sociais, a nova aglomeração ao arrepio das recomendações sanitárias.
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A moral que a turma de verde-e-amarelo ofereceu ao presidente só serve a ele mesmo. Bolsonaro acaba de passar por uma radiografia dos institutos de pesquisa que apontam a dissolução de seu favoritismo para a reeleição em 2022. Isso certamente mexeu com os brios do capitão.
A estratégia, como resposta, tem sido recorrente. Toda vez que Bolsonaro se sente inseguro ele sai de casa acelerando seu carro, moto, cavalo ou jet ski para se sentir em forma com o velho mito. Só que o passeio, que mobiliza centenas de agentes de seguranças que poderiam estar fazendo qualquer outra coisa além de massagear o ego do presidente, é pago com dinheiro público.
Desde que Bolsonaro tomou posse, não tem analista político que consiga lançar qualquer hipótese sobre presidente e suas decisões que não leve em conta o componente psicanalítico do personagem. Bolsonaro é o trauma não-elaborado e somatizado em praça pública.
Tempos atrás houve quem o diagnosticasse como um psicopata, um sujeito incapaz de sentir remorso ou compaixão no momento em que tantos compatriotas perdem a vida.
Os passeios dominicais dão outras pistas. E se o presidente estiver no auge de uma crise de síndrome do impostor? Sabe? Aquela sensação de que a pessoa chegou até onde chegou sem merecer ou estar realmente preparado para a missão?
Pois bem. Bolsonaro emula um sujeito no auge de uma crise do tipo, e duvidoso da própria capacidade, quando flerta com a autossabotagem. Ele parece querer desanuviar a sensação de impostura (impotência?) buscando a aprovação dos fãs.
No caso da síndrome do impostor, porém, a incapacidade é ilusória. Em outras palavras, o sujeito pensa ser menos capaz do que ele de fato é.
Mais provável que Bolsonaro se comporte apenas como garoto-propaganda do efeito Dunning-Kruger, um fenômeno que ataca indivíduos pouco capacitados ou com baixo nível de desconhecimento. Neste caso a superioridade é ilusória e, borrada pela própria arrogância, leva a tomada de decisões mal-informadas e falhas. Tipo provocar uma aglomeração no momento em que um vírus fatal se propaga por contato e proximidade.
Os dramas privados do presidente são, ou deveriam ser, problema dele. A forma com que ele desconta sua frustração sobre quem deveria governar, agravando uma crise que não consegue debelar, é problema de todos. Não tem transtorno que iniba o presidente de ser responsabilizado por seus atos. A “motociata” de domingo é mais um item para sua coleção.