Cientistas mapeiam micróbios no intestino de mosquitos da malária
SÃO PAULO - Um estudo de cientistas brasileiros mapeou a diversidade de micróbios no intestino de mosquitos transmissores da malária. O trabalho, que associa perfis de fauna intestinal a diferentes padrões de ativação de genes do animal, deve impulsionar pesquisas para controlar a proliferação do inseto.
Liderado por cientistas do campus de Botucatu da Unesp (Universidade Estadual Paulista), o levantamento está sendo apresentado hoje pela primeira vez em um evento em Lyon, na França.
Jayme Augusto de Souza-Neto, professor da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, usou no estudo mosquitos Anopheles darlingi infectados pelo protozoário Plasmodium vivax, a combinação de inseto vetor e micróbio parasita mais comum em casos de malária na Amazônia e no Brasil.
Para entender como o organismo de cada mosquito reage à presença do plasmódio, o cientista comparou diferentes mosquitos caracterizados no estudo.
Uma descoberta que intrigou o pesquisador é que mosquitos com alta carga bacteriana tinham tendência a ter uma baixa infecção do plasmódio também. A constatação sugere que a relação de competição entre os diferentes tipos de organismos e suas populações intestinais não é direta dentro do mosquito.
Não está claro ainda a razão disso, mas Souza Neto afirma que uma possibilidade é a de que os protozoários estejam sofrendo "por tabela" a resposta imune que o inseto produz contra bactérias, e vice-versa.
O levantamento da fauna de micróbios no mosquito, o "microbioma", foi combinado com o levantamento das sequências de DNA que estão ativas, o "transcriptoma", para encontrar ligações.
— Nossos dados apontam que vários genes do sistema imune do mosquito participam dessa defesa — diz Souza-Neto. — O próximo passo agora é selecionar candidatos para testes no laboratório. A ideia é inativar genes para ver qual efeito de cada um deles deles sobre inseto e quais são os mais potentes para atacar os parasitas.
Ferramenta de pesquisa
O mapeamento abrangente produzido pela Unesp, segundo o cientista, é um levantamento de pesquisa básica, e pode ajudar a desenvolver diferentes estratégias de controle.
No horizonte de pesquisa estão desde a criação de fármacos até a criação de mosquitos geneticamente modificados. Uma alternativa pode ser até o uso de bactérias que impeçam o plasmódio de se proliferar no intestino do Anopheles darlingi.
Uma estratégia similar usa bactérias Wolbachia para combater o mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue.
Já existem pesquisas mais avançadas usando essa estratégia, mas apenas para o Anopheles gambiae, o principal vetor de malária na África.
A dificuldade em se trabalhar com o Anopheles darlingi é que, até poucos anos, cientistas não conseguiam criar colônias do mosquito em laboratório em boas condições.
Para superar esse problema, o grupo brasileiro colaborou com parceiros colombianos que dominam a técnica.
O trabalho do grupo, que também teve participação inglesa, ainda não foi publicado em periódico científico, mas será revelado em detalhes hoje num simpósio promovido pela Fapesp (Fundação de Amparo e Pesquisa do Estado de São Paulo), no evento em Lyon.
Antes de sair um artigo com revisão independente, o cientista deve publicar uma versão preliminar online no repositório de estudos BiorXiv.