Cinco tabus que a UE quebrou num ano de guerra na Ucrânia

Cinco tabus que a UE quebrou num ano de guerra na Ucrânia

A União Europeia (UE) foi criada para impedir que as guerras voltassem a devastar o continente e trouxe décadas de relativa paz. Mas a invasão da Ucrânia pela Rússia, a 24 de fevereiro de 2022, levou à revisão de tabus políticos e desencadeou discussões no bloco outrora consideradas impensáveis. Seguem-se os cinco grandes tabus que a UE ousou quebrar num ano de guerra.

O tabu das armas

Nos anos que se seguiram ao fim da Guerra Fria e ao colapso da União Soviética, as despesas militares em toda a Europa foram decrescendo, com os políticos e a opinião pública a deixarem de temer uma guerra nuclear entre grandes poderes geopolíticos.

Em 2020, a maioria dos países europeus estava manifestamente abaixo do objetivo da NATO de terem pelo menos 2% do PIB alocado às despesas com a defesa, apesar das críticas dos EUA sobre essa realidade. As propostas de criação de um exército comum da UE também não avançaram para lá da discussão teórica.

Mas o choque da invasão da Ucrânia pela Rússia, há jum ano, abriu uma nova discussão na UE sobre como disponibilizar, rapidamente, equipamento militar a um país sob ataque, estando este na sua esfera de influência política.

"Este é um momento decisivo", declarou, então, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

O principal instrumento financeiro usado foi o Mecanismo Eurpeu de Apoio à Paz, usado para reembolsar os custos da ajuda militar e do apoio operacional que cada Estado-membro dá Ucrânia.

Os Estados-membros injetaram 3,6 mil milhões de euros neste mecanismo. Noutra ação sem precedentes, estabeleceram uma missão de assistência militar para treinar soldados ucranianos em solo da UE. Globalmente, a assistência militar prestada pelos Estados-membros chegou já aos 12 mil milhões de euros.

Ainda assim, não se compara aos mais de 44 mil milhões de dólares que os Estados Unidos já comprometeram para ajudar o govenro de Kiev.

O tabu da dependência do combustível

A exportação de combustíveis fósseis era responsável por 40% das receitas do orçamento federal da Rússia, antes desta guerra, com o bloco europeu como grande cliente.

Em grande parte da UE havia uma dependência enraizada do petróleo, gás e carvão russos: foram gastos 71 mil milhões de euros na compra de petróleo bruto e produtos refinados russos, em 2021.

Em relação ao gás, a dependência europeia da Rússia era de 40%, na média dos países, mas chegava a 90% em vários países do Leste.

Essa dependência explica a postura muito cautelosa da Alemanha, mesmo quando havia fortes indícios de que poderia haver uma invasão. Em dezembro de 2021, o chanceler Olaf Scholz ainda defendia o controverso gasoduto Nord Stream 2 (para ligar a Rússia à UE) como um projeto privado e comercial de grande importância.

Só quando as bombas começaram a cair sobre Kiev é que a UE percebeu a necessidade de se libertar desta dependência e entrou numa corrida em contra-relógio para diversificar o cabaz energético.

O carvão russo foi rapidamente proibido, o petróleo foi gradualmente eliminado e o gás foi substituído pelo que chegava via gasodutos noruegueses ou nos navios com Gás Natural Liquefeito (GNL) dos EUA, Qatar, Nigéria e Argélia. Mas a UE ainda importa da Rússia cerca de 12% do gás que usa (sobretudo GNL).

Paralelamente, a Comissão Europeia elaborou planos ambiciosos para aumentar a utilização de energias renováveis e promover a poupança de energia.

O tabu da confiscação de bens

Desde 24 de fevereiro, a UE e os seus aliados aprovaram nove pacotes de sanções internacionais destinadas a paralisar a capacidade do Kremlin de financiar a sua máquina de guerra, e um décimo será aprovado esta semana.

Muitas destas sanções têm sido de natureza radical e inaudita, tais como estabelecer um preço máximo para o petróleo bruto russo (com o apoio do G7, que inclui EUA, Canadá, Japão e Reino Unido, além da Alemanha, França e Itália), que causa perdas de mais de 160 milhões de euros, por dia, ao Kremlin.

Uma medida específica, porém, foi particularmente ousada: o Ocidente impôs uma proibição total de todas as transações com o Banco Central russo, congelando metade dos seus 643 mil milhões de dólares em reservas.

A UE está decidida em ir ainda mais longe, com um plano para investir estas reservas congeladas e redirecionar as mais valias desses investimentos para a reconstrução da Ucrânia.

A ideia tem sido descrita como "legalmente duvidosa" e "profundamente problemática" pelos juristas porque as reservas cambiais são bens estatais e gozam de proteção especial ao abrigo do direito internacional.

Mas a Comissão Europeia insiste que pode ser criada uma via legal: "A Rússia deve pagar pela destruição causada e pelo sangue derramado", disse a presidente, Ursula von der Leyen, recentemente.

Além disso, o bloco está a trabalhar em planos para confiscar os bens privados apreendidos aos oligarcas russos (e bielosrussos, pro a ajuda à Rússia), tais como iates, mansões e arte, e vendê-los para angariar fundos adicionais para a Ucrânia.

O tabu do asilo

A política de migração é uma das mais controversas da UE e o pico de entrada de refugiados, sobretudo da Síria, em 2015, ainda é usado como argumento por vários governantes para frustrar as várias tentativas de unificar a política de migração e asilo entre os 27 Estados-membros.

Mas quando milhares de ucranianos começaram a fugir da investida russa, a UE ativou, a 3 de março, a Diretiva de Proteção Temporária (de 2001), que nunca tinha sido utilizada.

Nos termos da diretiva, os Estados-membros podem conceder proteção imediata e extraordinária a um grupo específico de pessoas deslocadas, neste caso, refugiados ucranianos.

A lei contorna os sistemas de asilo tradicionais e oferece uma via simplificada e acelerada de acesso a autorizações de residência, educação, cuidados de saúde, assistência social e mercado de trabalho.

A decisão foi considerada "histórica" por muito, mas também criticada por ativistas e organizações não-governamentais por não ser usada com outros grupos de requerentes de asilo.

Cerca de quatro milhões de refugiados ucranianos foram reinstalados por todo o bloco. Cerca de um milhão vivem na Polónia e outro tanto na Alemanha.

O tabu do alargamento

Após a entrada da Croácia na UE, em 2013, o bloco passou a não ter pressa de continuar o processo de alargamento. A guerra criou novo argumento político: unidade perante a agressão.

O Presidente ucraniano, Volodymr Zelenskyy, assinou o pedido oficial de adesão quatro dias depois da invasão. O estatuto de país candidato passou de irrealista a viável no espaço de quatro meses, quando, a 23 de junho, o Conselho Europeu o concedeu por unanimidade (e também à Moldávia).

Os tabus à espera de serem quebrados

Apesar da decisão resoluta verificada nos últimos 12 meses, a UE ainda não quebrou alguns tabus, tais como aprovar sanções contra o setor nuclear da Rússia, devido a preocupações de segurança por parte de alguns países de Leste.

Também ainda estão fora de questão a proibição de importação de diamantes russos (essencial ao mercado de processamento na Bélgica) e a expulsão do Gazprombank (banco russo que faz pagamentos no setor da energia) do sistema de alta segurança SWIFT.