Como minha amiga bolsonarista se radicalizou e foi presa
"Vivia fazendo postagens delirantes em suas redes sociais e nos grupos da famĂlia. Alegava que estava defendendo o Brasil do comunismo e que era perseguida por ser de direita. SĂł compartilhava fake news e, se alguĂ©m a confrontasse, era imediatamente taxado de petista e comunista".
Foi assim que um amigo descreveu a empresĂĄria Tatiane Marques, de 41 anos e moradora de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, uma das centenas de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) presos apĂłs a invasĂŁo Ă Praça dos TrĂȘs Poderes, em BrasĂlia, no Ășltimo domingo (8/1).
Além daqueles que invadiram e depredaram as sedes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciårio, também foram presos participantes do acampamento que foi desmontado no Quartel-General do Exército, no Setor Militar Urbano, na capital federal, caso de Tatiane.
Ăs 11h de quarta-feira, a lista jĂĄ tinha mais de 700 nomes, entre eles o de Tatiane. A relação foi divulgada pela Secretaria de Administração PenitenciĂĄria do DF (Seap-DF), apĂłs decisĂŁo da Justiça. (veja a lista de nomes aqui).
Segundo o amigo, que nĂŁo quis se identificar, Tatiane, autodeclarada bolsonarista raiz, começou a se radicalizar pouco antes da eleição de Bolsonaro Ă presidĂȘncia em 2018. Naquele ano, ela tentou se eleger deputada federal pelo PSL, entĂŁo partido de Bolsonaro, mas nĂŁo conseguiu. Dois anos depois, em 2020, tentou novamente entrar para a polĂtica como vereadora pelo PL, de novo sem sucesso.
"Ela monopolizava o grupo de WhatsApp, praticamente só ela falava. Mandava åudios longos. Não aceitava ser desafiada. Se alguém dissesse algo que fosse diferente do que ela pensava, ela partia para o ataque", relata à BBC News Brasil.
Foi o que aconteceu com um dos membros do grupo de WhatsApp da famĂlia, que compartilhou um meme zombando da suposta presença de infiltrados na invasĂŁo ao Congresso, como alegam bolsonaristas nas redes sociais. Tatiane disparou: "SĂł pode estar chapado".
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Segundo o amigo que conversou com a BBC News Brasil, Tatiane sempre foi "mais Ă direita", mas nunca "radical".
"Como muitas famĂlias brasileiras, a dela tambĂ©m se dividiu depois da eleição de Bolsonaro Ă presidĂȘncia. Havia uma ala mais Ă direita, apoiadora de Bolsonaro, e outra mais progressista, mas nĂŁo necessariamente que apoiava o PT. Teve gente que nĂŁo votou em Bolsonaro nem em Lula, por exemplo", conta.
O amigo acrescenta que, durante a pandemia de covid, Tatiane reproduzia o discurso do ex-presidente, minimizando a doença e chamando-a de "gripezinha". TambĂ©m dizia que a vacina era ineficaz - ao contrĂĄrio do que mostraram pesquisas cientĂficas.
"Mais recentemente, passou a dizer que as eleiçÔes haviam sido fraudadas. O pai e as irmĂŁs dela sempre foram um pouco mais Ă direita, mas nĂŁo a ponto de deixar de conviver com o restante da famĂlia. O marco foi a eleição de Bolsonaro Ă presidĂȘncia. A paixĂŁo Ă© tanta que a deixou cega", diz.
Em ĂĄudio divulgado por Tatiane no grupo de WhatsApp da famĂlia e a que a BBC News Brasil teve acesso, ela diz que nĂŁo participou da invasĂŁo do Congresso: "A caravana do Rio Grande do Sul se dividiu em duas. NĂłs temos patriotas lĂĄ na Esplanada agora neste momento e eu estou aqui no QG neste momento. Vou jantar agora Ă s 20h. AĂ vem o pessoal que estĂĄ lĂĄ na Esplanada e eu vou para lĂĄ. JĂĄ mando informaçÔes de lĂĄ da Esplanada, mas o quebra-quebra foi grande; arrancaram a porta do gabinete do cabeça de ovo (em alusĂŁo ao ministro do STF Alexandre de Moraes) e trouxeram para a rua", diz ela.
Desde que foi presa na segunda-feira, por volta das 8h30, Tatiane vem publicando conteĂșdo em sua conta no Instagram em que faz uma sĂ©rie de reclamaçÔes a respeito do tratamento que os detidos vĂȘm recebendo na Academia Nacional da PolĂcia Federal, no Setor Habitacional Taquari, no Lago Norte.
Tatiane gravou o momento em que ela e outros bolsonaristas foram detidos. No vĂdeo, ela alega que foi obrigada a entrar no ĂŽnibus e que nĂŁo sabia para onde estava indo.
Em outro registro, de dentro do local onde estå detida, Tatiane descreve o tratamento recebido como "desumano" e reclama que os detidos não receberam café da manhã e nem almoço.
"Estão nos tratando que nem bicho. Se fÎssemos vagabundos, se fÎssemos ladrÔes, assassinos, a gente jå teria comido uma marmitinha, tomado uma aguinha, uma balinha, a gente ia estar no ar-condicionado", diz.
Tatiane também descreveu o centro de detenção provisório como "campo de concentração do Lula" e voltou a se queixar da comida e do estado dos banheiros.
"Hoje é dia 10 de janeiro de 2023, aqui direto do campo de concentração do Lula. Estamos desesperados. Olha o estado desse banheiro. à um chiqueiro. Nem na cadeia tem isso aqui. à um absurdo. à marmita de cadeia que deram para nós, nem cachorro come aquilo lå. A gente precisa de respeito", diz.
No grupo de WhatsApp, membros da famĂlia se dizem preocupados com Tatiane, mĂŁe de dois filhos.
"Gente, de nada adianta ficar perdendo tempo agora sobre a culpabilidade ou nĂŁo de quem estĂĄ lĂĄ. O que importa agora Ă© que ela ache uma forma de sair de lĂĄ. Ficar em rede social contrĂĄria Ă queles que a prenderam sĂł vai dificultar ainda mais ela sair de lĂĄ. Ă que nem ficar numa delegacia e ficar xingando o delegado. Daqui a pouco vai virar boi de piranha", diz um parente.
"Eu rezo para que ela saia dessa e tambĂ©m abandone a carreira polĂtica e militĂąncia, e foque no que realmente importa, OS FILHOS", acrescenta.
A BBC News Brasil tentou entrar em contato com Tatiane por meio do Instagram e do seu celular, mas ela não respondeu até a conclusão desta reportagem.
- Este texto foi publicado emhttps://www.bbc.com/portuguese/brasil-64242066