Como prevenir suicídio na pandemia: “É viver um dia de cada vez”

Saiba como ajudar amigos e familiares durante a pandemia. Foto: Pixabay
Saiba como ajudar amigos e familiares durante a pandemia. Foto: Pixabay

Durante o isolamento social por conta da pandemia de coronavírus, muitas pessoas estão se sentindo mais tristes, ansiosas e sem esperança. Sendo assim, é dever de todos nós nos preocupar com amigos e parentes que amamos e observar se eles estão precisando de ajuda durante a quarentena.

No Brasil, mais de 3 mil pessoas morrem todos os anos vítimas de suicídio. No mundo, a cada 40 segundos uma pessoa comete suicídio. Segundo a voluntária Leila Heredia, porta-voz do CVV (Centro de Valorização da Vida), que atende pessoas que estão precisando de ajuda para superar pensamentos suicidas por meio do telefone 188, é possível prevenir o suicídio observando comportamentos diários daqueles que estão por perto.

“É importante observar as alterações no sono, no apetite… é preciso estar atento à pessoa que não quer mais conversar, ou que gostava de conversar e agora está mais quietinha, ou que gostava de ver um filme e agora isso não faz mais sentido. É bom observar as pessoas que dizem que está sempre tudo bom ou que tudo está sempre ruim... ou seja, pessoas que demonstram aquele sentimento de que não há prazer em nada”, diz.

Leia também:

Leia a entrevista completa:

Yahoo: O que a população pode fazer para tentar reduzir os números de suicídio durante o isolamento social?

Leila Heredia: Nesse período do isolamento, do distanciamento, que é um momento tão singular na vida de todo mundo, a gente precisa parar um pouco e olhar mais para os nossos sentimentos, perceber o que está se passando conosco, até para a gente poder dar nome para esses sentimentos. É importante conversar com alguém que a gente tenha confiança de falar, de compartilhar algo. E aí é que entra o papel do CVV. A gente está funcionando normalmente e, quem quiser conversar, desabafar, quem sentir que não está muito legal e que está mais difícil de dar conta, pode nos ligar. O CVV ouve 24 horas, todos os dias do ano, com respeito, com acolhimento, sem julgar, de uma forma que a pessoa consiga encontrar os recursos que ela precisa ali, naquele momento, para passar pela situação difícil.

Yahoo: O que você indicaria de atividades para pessoas que estão tendo pensamentos suicidas nesse momento? Além de conversar com um especialista, ela pode fazer o que?

Leila: O mais importante é buscar ajuda. A pessoa, quando pensa em suicídio, está passando por um momento em que ela não está conseguindo conviver com uma determinada situação. O suicídio, na realidade, é uma forma de comunicação. A pessoa está comunicando que a dor dela é tão intensa que ela não consegue viver com aquilo, passar por aquela dor que está transbordando dentro dela. Então, ela precisa de ajuda. É difícil para ela lidar com tudo aquilo ali. A gente não tem que ser forte o tempo todo. A gente não tem que estar bem o tempo todo. Mas, quando as coisas ficam nesse nível, de ser insuportável, é fundamental que se busque ajuda. A pessoa pode falar com um familiar, com um amigo, um profissional de saúde e pode falar com o CVV. Nesse momento, a gente tem que atuar em rede.

Yahoo: Então, o que fazer nesse momento?

Leila: A gente está vivendo uma situação singular. É fundamental que a gente possa se apoiar e sensibilizar para o outro. Mas, ao mesmo tempo, precisamos olhar mais para nós e praticar o autocuidado, praticar coisas que fazem bem. Então, cuidar de uma planta, costurar, cozinhar, pode fazer com que a gente resgate pequenos prazeres que causam bem estar.

Yahoo: Vocês observaram um aumento nos casos de suicídio durante o isolamento? E em relação às ligações para o CVV? Aumentaram de março para cá?

Leila: O nosso número de ligações não sofreu alteração. O que eu percebo, mas aí é uma percepção bem individual, é que as ligações estão mais longas. E sentimentos como o medo, a incerteza, o não planejar, a frustração, a angústia, o isolamento e a solidão passaram a ser temas mais recorrentes.

Yahoo: O que os familiares podem fazer para proteger seus parentes? Eles devem estar atentos a quais sinais?

Leila: A atenção deve estar voltada para a pessoa que não passava por um episódio de depressão, tristeza e transtorno antes da quarentena e que começou a apresentar esses sintomas agora. Também é importante observar as alterações no sono, no apetite… é preciso estar atento à pessoa que não quer mais conversar, ou que gostava de conversar e agora está mais quietinha, ou que gostava de ver um filme e agora isso não faz mais sentido. É bom observar as pessoas que dizem que está sempre tudo bom ou que tudo está sempre ruim... ou seja, pessoas que demonstram aquele sentimento de que não há prazer em nada. É lógico que, dentro do contexto que a gente está vivendo, com toda essa nova realidade, a sensibilidade pode estar mais presente. Aí cabe tentar se proteger. Vão ter dias melhores, vão ter dias piores e cada um da família vai tentando ajudar e ver como o outro está. É viver um dia de cada vez. O CVV atua dessa forma. A gente atua no aqui e no agora. A gente não vai substituir o profissional da saúde de forma alguma, mas a gente vai conversar no aqui e no agora, naquele momento que está insuportável. E é isso o que a gente pode fazer individualmente: prestar atenção em quem está à nossa volta, perguntar se pode ajudar, até mesmo ficando em silêncio. Você pode se oferecer e dizer que, se precisar, está ali para a pessoa.

Yahoo: E se a pessoa mora sozinha? Como monitorar para que ela não cometa suicídio?

Leila: Se você está distante fisicamente, ligue para a pessoa. As redes sociais e os comunicadores instantâneos ajudam nesse sentido. É possível fazer uma chamada de vídeo, saber como estão as pessoas... então, ligue para aquele amigo que já não estava legal antes do isolamento e que mora sozinho. Tente dar um suporte maior. Pergunte como ele está, como está o dia dele. É fundamental mostrar empatia pelo outro e mostrar que ele é importante. A pessoa se sentir querida, se sentir amada e pertencente a um determinado grupo faz toda a diferença.

Yahoo: Recentemente, a gente viu a mídia noticiando alguns casos de suicídio. Isso pode incentivar que outras pessoas cometam o suicídio? Como a imprensa pode noticiar sem incentivar?

Leila: Essa é uma questão muito delicada e muito importante. Noticiar é fundamental. Mas noticiar o que? Que as pessoas com pensamentos suicidas precisam de ajuda, que está acontecendo alguma coisa diferente com a pessoa que pensa em suicídio. A gente é vocacionado para pensar na vida. Então, se a gente está pensando na morte, alguma coisa não está bem com a gente. Mas não é para divulgar os métodos, como aconteceu… por qual motivo? Uma pessoa pode estar fragilizada e encontrar naquilo ali um passo a passo. Não é para divulgar fotos, imagens… é importante evitar chamadas sensacionalistas, evitar divulgar cartas e qualquer coisa que possa glamourizar ou simplificar o suicídio. O suicídio não tem uma única causa. Ele é complexo e multifatorial.