Como proteger o dinheiro da formatura e evitar danos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Concluir a graduação com festa, famĂ­lia e amigos Ă© o sonho de muitos alunos, mas virou um problema para a 106ÂȘ turma de medicina da USP, que pode ter perdido os R$ 920 mil reunidos para a celebração. Alicia Duddy Muller Veiga, 25, Ă© investigada sob suspeita de apropriação indĂ©bita do fundo, alĂ©m de estelionato e lavagem de dinheiro, depois de tentar apostar, sem pagar, um total de R$ 891 mil em bilhetes da LotofĂĄcil.

Para evitar problemas como saques indevidos ou pagamentos a fornecedores sem anuĂȘncia dos colegas, profissionais dos setores de eventos e finanças ouvidos pela reportagem dizem que Ă© fundamental criar, no começo do projeto, um estatuto com regras claras sobre a atribuição da comissĂŁo de formatura.

Jå a responsabilidade por transaçÔes financeiras deve ser delegada a, no mínimo, duas pessoas, e os investimentos precisam ser de baixo risco e operados por instituiçÔes consolidadas no mercado.

Em casos como o da turma da USP, com 110 alunos e quase R$ 1 milhão arrecadado, é possível adotar estruturas mais complexas para organizar a comissão, como criar uma associação sem fins lucrativos, com todos os formandos como associados, eventualmente com o apoio de um advogado para definir a estrutura da associação e a sua duração.

A partir daí, os alunos vão criar, por meio da entidade, uma conta de pessoa jurídica também com a responsabilidade sobre saques e pagamentos distribuída a mais de uma pessoa.

Em grupos menores, Ă© possĂ­vel criar um estatuto e registrar uma ata com a assinatura das pessoas, documento que jĂĄ vale para contratar uma empresa para gerir o a arrecadação do dinheiro e que pode ou nĂŁo entregar serviços como fotografia, bufĂȘ e mĂșsica. Os termos sobre o que pode ou nĂŁo ser feito devem estar claros no contrato.

No caso dos formandos, os recursos estavam sob a responsabilidade da empresa Ás Formaturas e teriam sido transferidos para a conta de Alicia. Procurada pela reportagem para dizer se as transferĂȘncias ocorreram e se teriam seguido as regras de contrato e estatuto, a empresa nĂŁo respondeu atĂ© a publicação da reportagem.

Um fator importante, no caso das empresas, Ă© que o dinheiro nĂŁo seja misturado com os recursos para operaçÔes e pagamentos de pessoal, segundo Renato Menezes, fundador da Viva Eventos. Isso evita que o recurso seja perdido no caso de a empresa ir Ă  falĂȘncia.

"No nosso modelo, estruturamos um sistema de dinheiro blindado, temos trĂȘs verificaçÔes para qualquer liberação de dinheiro, que nĂŁo se mistura. O dinheiro fica num fundo, numa conta de arrecadação", afirma.

Usar o dinheiro de uma formatura para a operação da empresa e a entrega de serviços jå contratados é a chamada alavancagem, diz o presidente da Abeform, associação de empresas de formatura.

"Se uma empresa faz um orçamento destoante, muito abaixo do mercado, é preciso acender o sinal de alerta. A empresa pode estar precisando entregar uma festa agora e, para entregar a sua, vai precisar fechar outro contrato", diz Michel Brucce, presidente da associação.

Ele diz que a ideia da associação é fomentar os negócios, mapear onde hå riscos para quem fica sem festa ou sem dinheiro e cadastrar fornecedores para indicar com mais segurança.

Outra sugestĂŁo Ă©, para quem vai gerir a conta, tomar cuidado com investimentos e promessas de ganhos. Essa foi uma das alegaçÔes de Alicia, da USP. Ela afirmou, em uma mensagem de WhatsApp, que foi vĂ­tima de fraude de uma corretora, a Sentinel Bank, que nĂŁo respondeu aos contatos da reportagem e cujo site foi desativado nos Ășltimos dias.

Lucas Eduardo Tereska, responsĂĄvel pela ĂĄrea de fundos da Manchester Investimentos, diz que investimentos em casos de comissĂŁo de formatura devem ser conservadores, como os CDBs (Certificados de DepĂłsitos BancĂĄrios), que sĂŁo tĂ­tulos de renda fixa, com risco mais baixo.

"Se uma proposta Ă© boa demais para ser verdade, Ă© porque nĂŁo Ă© verdade. Quando se fala de grande expectativa, de retorno garantido de 1% ou 3% ao mĂȘs, nĂŁo Ă© possĂ­vel garantir. É como diz o ditado: se a esmola Ă© muita, o santo desconfia."

Para dar segurança e transparĂȘncia aos formandos, as soluçÔes mais recentes fazem a ponte entre os bancos e os estudantes, reunindo em uma plataforma a visualização de todas as transaçÔes na conta para todos do grupo.

Segundo Diogo Nemésio, presidente da startup Sua Formatura, também é possível tornar a decisão de autorizar um gasto aleatória, para evitar panelinhas.

"Quando um estudante solicita transferĂȘncia para pagar um fornecedor, a plataforma colhe aleatoriamente as pessoas da comissĂŁo que vĂŁo analisar e aprovar o gasto", afirma. Dessa forma, nĂŁo haveria as mesmas pessoas decidindo sobre as diferentes transaçÔes.

Se as opçÔes de criar uma associação ou contratar uma empresa para arrecadar e gerir o dinheiro para a formatura não forem viåveis, ainda é possível criar uma conta bancåria e dar acesso de visualização, sem o poder de fazer transaçÔes, aos colegas, restringindo as operaçÔes aos integrantes da comissão.

"E aĂ­ sĂŁo feitas reuniĂ”es periĂłdicas, com prestação de contas, dizer se houve quem nĂŁo pagou naquele mĂȘs e, se for o caso, o quanto foi aplicado", diz o especialista em finanças Thiago Martello.