Congresso conseguiu a proeza de piorar tudo
Ă preciso reconhecer a proeza: numa sĂł semana, o Congresso conseguiu desmontar a Constituição â ao derrubar o teto de gastos â , a Lei de Responsabilidade Fiscal, a regra de ouro â que proibia contrair dĂvida para pagar despesas correntes â e a legislação eleitoral. Esta Ășltima foi violentada de vĂĄrias maneiras.
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A mais conhecida foi a permissão para o governo federal aumentar e criar programas sociais na véspera da eleição. Mas, assim, por baixo do pano, os parlamentares partiram para o liberou geral: o Executivo ganhou o direito de trocar os fornecedores de obras e serviços quando e como quiser. Argumento: é para retomar obras paradas. Parece bom, e, se a lei eleitoral proibia isso, errada estava a lei.
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NĂŁo estava. A lei dizia que, em caso de interrupção de uma obra, o crĂ©dito para a execução deve ser simplesmente cancelado. Por Ăłbvio: o governo nĂŁo pode contratar uma estrada num determinado municĂpio e depois usar o dinheiro para pagar uma fonte luminosa noutra cidade. Em termos mais claros: nĂŁo pode parar a obra num municĂpio inimigo e transferir para a cidade de um prefeito amigo.
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NĂŁo podia. Agora pode.
TambĂ©m o governo nĂŁo podia, em perĂodo eleitoral, distribuir desde coisas âsimplesâ, como cestas bĂĄsicas ou redes de pesca, atĂ© aparelhos pesados, como tratores e mĂĄquinas agrĂcolas. Por Ăłbvio: o governante de plantĂŁo nĂŁo pode usar o dinheiro pĂșblico para fazer sua prĂłpria campanha.
NĂŁo podia.
Na democracia, todos os candidatos devem disputar em igualdade de condiçÔes. DaĂ as regras que limitam o poder do incumbente, o governante de plantĂŁo ou o parlamentar em exercĂcio.
O conjunto aprovado pelo Congresso desmonta essa regra. O presidente Bolsonaro foi escandalosamente beneficiado, mas tambĂ©m todos os deputados e senadores governistas. Foi aperfeiçoado o âorçamento secretoâ, de tal modo que o parlamentar pode distribuir milhĂ”es de reais para sua regiĂŁo polĂtica, sem que seu nome apareça em qualquer documento.
Claro que o parlamentar vai no seu municĂpio âentregarâo trator âmas isso fica lĂĄ entre eles. No Orçamento, o dinheiro pĂșblico foi magicamente para aquela cidade, a mando de ninguĂ©m.
E por que as oposiçÔes aprovaram ou deixaram passar esse conjunto que beneficia o bolsonarismo e o Centrão? Porque acham, especialmente a esquerda, com Lula, que ganharão a eleição e, assim, herdarão todos aqueles instrumentos de poder.
TambĂ©m herdam, caso ganhem, o desastre econĂŽmico provocado pelo desmonte das contas pĂșblicas. E daĂ? JĂĄ estarĂŁo no poder â e Ă© isso que importa, atĂ© para ajustar contas com inimigos, dos bolsonaristas aos ex-lĂderes da Lava-Jato.
Trata-se de tudo, menos de democracia.
A economia real, contudo, nĂŁo se altera com sabotagens legais. O ponto Ă© o seguinte: o paĂs sofre com inflação elevada, juros altos e baixo crescimento.
O ministro Guedes alardeou sua nova previsão de expansão do PIB para este ano: 2%. Isso mesmo, estão comemorando um crescimento de 2%, que nem mexe na renda real dos brasileiros. E que certamente piora no ano que vem, como jå avisou o próprio Banco Central. Com a pråtica de juros elevados, o BC torna o crédito mais caro para consumidores e investidores. Assim, derruba a atividade econÎmica e, pois, a inflação.
O objetivo do governo Ă© exatamente o contrĂĄrio: gastar o mĂĄximo de dinheiro pĂșblico para estimular a economia.
Sempre que a polĂtica econĂŽmica torna-se assim, manĂaca, de dupla personalidade, o resultado Ă© o pior possĂvel. Nenhuma parte ganha, de modo que o paĂs fica ao mesmo tempo com inflação elevada, juro alto, dĂłlar caro e baixĂssimo crescimento.
Resumo: a democracia foi violentada; a regra fiscal, rasgada; a polĂtica, reduzida a uma polarização sem qualquer proposta de reconstrução.
SerĂĄ difĂcil, quando houver vontade, juntar os cacos e reconstruir um sistema saudĂĄvel.