Congresso conseguiu a proeza de piorar tudo

É preciso reconhecer a proeza: numa sĂł semana, o Congresso conseguiu desmontar a Constituição — ao derrubar o teto de gastos — , a Lei de Responsabilidade Fiscal, a regra de ouro — que proibia contrair dĂ­vida para pagar despesas correntes — e a legislação eleitoral. Esta Ășltima foi violentada de vĂĄrias maneiras.

Assédio: Funcionårios da Caixa relatam perda de cargos por retaliação

A mais conhecida foi a permissão para o governo federal aumentar e criar programas sociais na véspera da eleição. Mas, assim, por baixo do pano, os parlamentares partiram para o liberou geral: o Executivo ganhou o direito de trocar os fornecedores de obras e serviços quando e como quiser. Argumento: é para retomar obras paradas. Parece bom, e, se a lei eleitoral proibia isso, errada estava a lei.

Pulso: Por que chilenos foram da euforia Ă  angĂșstia com Boric

Não estava. A lei dizia que, em caso de interrupção de uma obra, o crédito para a execução deve ser simplesmente cancelado. Por óbvio: o governo não pode contratar uma estrada num determinado município e depois usar o dinheiro para pagar uma fonte luminosa noutra cidade. Em termos mais claros: não pode parar a obra num município inimigo e transferir para a cidade de um prefeito amigo.

Lauro Jardim: O que o bolsonarismo espera de Eduardo Cunha

NĂŁo podia. Agora pode.

TambĂ©m o governo nĂŁo podia, em perĂ­odo eleitoral, distribuir desde coisas “simples”, como cestas bĂĄsicas ou redes de pesca, atĂ© aparelhos pesados, como tratores e mĂĄquinas agrĂ­colas. Por Ăłbvio: o governante de plantĂŁo nĂŁo pode usar o dinheiro pĂșblico para fazer sua prĂłpria campanha.

NĂŁo podia.

Na democracia, todos os candidatos devem disputar em igualdade de condiçÔes. Daí as regras que limitam o poder do incumbente, o governante de plantão ou o parlamentar em exercício.

O conjunto aprovado pelo Congresso desmonta essa regra. O presidente Bolsonaro foi escandalosamente beneficiado, mas tambĂ©m todos os deputados e senadores governistas. Foi aperfeiçoado o “orçamento secreto”, de tal modo que o parlamentar pode distribuir milhĂ”es de reais para sua regiĂŁo polĂ­tica, sem que seu nome apareça em qualquer documento.

Claro que o parlamentar vai no seu municĂ­pio “entregar”o trator —mas isso fica lĂĄ entre eles. No Orçamento, o dinheiro pĂșblico foi magicamente para aquela cidade, a mando de ninguĂ©m.

E por que as oposiçÔes aprovaram ou deixaram passar esse conjunto que beneficia o bolsonarismo e o Centrão? Porque acham, especialmente a esquerda, com Lula, que ganharão a eleição e, assim, herdarão todos aqueles instrumentos de poder.

TambĂ©m herdam, caso ganhem, o desastre econĂŽmico provocado pelo desmonte das contas pĂșblicas. E daĂ­? JĂĄ estarĂŁo no poder — e Ă© isso que importa, atĂ© para ajustar contas com inimigos, dos bolsonaristas aos ex-lĂ­deres da Lava-Jato.

Trata-se de tudo, menos de democracia.

A economia real, contudo, não se altera com sabotagens legais. O ponto é o seguinte: o país sofre com inflação elevada, juros altos e baixo crescimento.

O ministro Guedes alardeou sua nova previsão de expansão do PIB para este ano: 2%. Isso mesmo, estão comemorando um crescimento de 2%, que nem mexe na renda real dos brasileiros. E que certamente piora no ano que vem, como jå avisou o próprio Banco Central. Com a pråtica de juros elevados, o BC torna o crédito mais caro para consumidores e investidores. Assim, derruba a atividade econÎmica e, pois, a inflação.

O objetivo do governo Ă© exatamente o contrĂĄrio: gastar o mĂĄximo de dinheiro pĂșblico para estimular a economia.

Sempre que a política econÎmica torna-se assim, maníaca, de dupla personalidade, o resultado é o pior possível. Nenhuma parte ganha, de modo que o país fica ao mesmo tempo com inflação elevada, juro alto, dólar caro e baixíssimo crescimento.

Resumo: a democracia foi violentada; a regra fiscal, rasgada; a política, reduzida a uma polarização sem qualquer proposta de reconstrução.

SerĂĄ difĂ­cil, quando houver vontade, juntar os cacos e reconstruir um sistema saudĂĄvel.

Nosso objetivo Ă© criar um lugar seguro e atraente onde usuĂĄrios possam se conectar uns com os outros baseados em interesses e paixĂ”es. Para melhorar a experiĂȘncia de participantes da comunidade, estamos suspendendo temporariamente os comentĂĄrios de artigos