Vem aí a CPI das Fake News. E ela já provoca alvoroço em aliados de Bolsonaro
Na última quarta-feira, 3 de julho, enquanto Jair Bolsonaro discursava sobre os perigos da Venezuela em evento para celebrar, em Brasília, o 243º aniversário da Independência dos EUA, e deputados acertavam os detalhes finais do Dia D para votar a nova Previdência, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), anunciava, sem muito alarde, a criação da CPI Mista das Fake News.
Segundo nota do Senado, uma vez definidos os integrantes da comissão (15 deputados e 15 senadores), o grupo terá 180 dias para investigar “ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público, além da criação de perfis falsos para influenciar as eleições do ano passado”. Vai apurar também a “prática de ciberbullying contra autoridades e cidadãos vulneráveis e o aliciamento de crianças para o cometimento de crimes de ódio e suicídio”.
Atenção para o termo “ataques contra a democracia” – uma referência óbvia às mensagens que há cerca de um ano brotavam da terra, e das telas do WhatsApp das melhores famílias.
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Daquela enxurrada surgiu um clássico que acusava Fernando Haddad e o PT de distribuírem mamadeiras com bico de pênis para criancinhas das creches de todo o Brasil. No vídeo, que teve mais de 3 milhões de visualizações, um rapaz afirmava que o objeto era parte de um plano para acabar com a homofobia.
Não foi a única Fake News da eleição, mas a história da “mamadeira de piroca”, como ficou conhecida, se tornou símbolo de uma disputa manchada por suspeitas até agora não respondidas.
Detalhe é que o requerimento para a CPI é do deputado federal Alexandre Leite (DEM-SP), e acontece no momento em que o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, também do DEM, passa por um processo clássico de fritura e desidratação. É ele o responsável, ou deveria ser, pela articulação política entre o governo e o Congresso, de onde saiu a bomba.
A CPI, como é possível imaginar, não foi bem digerida na base bolsonarista. Deveria?
O receio é tal que o deputado Filipe Barros (PSL-PR) correu para o Supremo Tribunal Federal com um pedido de mandado de segurança para barrar a criação da comissão. Segundo ele, a CPI tem como alvo o presidente Bolsonaro e seus filhos.
Ora, ora, mas quem poderia imaginar coisa parecida quando alguém como Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) usa uma sessão com Sergio Moro no Senado para repercutir a fake news relacionada à “venda” do mandato do deputado Jean Wyllys para David Miranda, companheiro de Glenn Greenwald, do The Intercpet?
Se trabalhar direitinho, a CPI tem tudo para jogar luz sobre o envio, pago por empresários, de mensagens contra o PT no WhatsApp nas eleições de 2018, para explicar por que uma agência responsável pela campanha de Bolsonaro usou um sistema de disparos em massa que depois foi deletado e como companhias brasileiras contrataram uma empresa espanhola para espalhar “notícias” favoráveis ao então candidato do PSL – o que, se confirmado, configuraria uso de caixa 2.
Isso foi suficiente para definir o resultado das urnas? Difícil dizer. Afinal, não é todo dia, nem em toda eleição, que um maluco resolve entrar em cena e esfaquear o então candidato azarão – dando ao sobrevivente a exposição espontânea, em entrevistas e na cobertura, que seu partido jamais alcançaria pela propaganda eleitoral gratuita ou mesmo pelas redes sociais.
Embora tenha um potencial imenso de acabar em pizza, já que ninguém a essa altura imagina que o resultado da eleição será de alguma forma arranhado pela CPI, a criação da comissão deve, por si, ajudar a trincar alguns mitos de cristal produzidos na última eleição do tipo Davi venceu Golias, o homem simples contra os poderosos, a honestidade contra a corrupção, etc.
Derrotado no segundo turno, Fernando Haddad declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) R$ 35,4 milhões, enquanto Bolsonaro, que atribuiu o sucesso ao engajamento (gratuito) das redes, informou ter levantado apenas R$ 4,3 milhões – e prometeu doar o que sobrou.