Aliados blindam Bolsonaro em CPI. Ele fará o mesmo por Salles?
O depoimento, em duas partes, do ex-ministro Eduardo Pazuello (Saúde) à CPI da Pandemia mostrou uma fidelidade canina do general ao antigo chefe, Jair Bolsonaro. O mesmo se pode dizer da passagem de Fabio Wajngarten (ex-Secom) e Ernesto Araújo (ex-Relações Exteriores) pelo corredor polonês da comissão.
Um componente para detonar um incêndio em uma CPI do tipo é a disposição de ex-aliados em emprestar isqueiro para o rastilho de pólvora montado pela oposição. Exemplo clássico foi o rompimento de Pedro Collor com o irmão presidente durante a CPI do PC Farias.
O próprio senador Renan Calheiros (MDB-AL), hoje relator dos trabalhos, já esteve do outro lado, quando lançou o ex-parceiro Fernando Collor de Mello aos leões do Congresso antes do impeachment.
Até aqui, coube a Luiz Henrique Mandetta, primeiro ministro da Saúde de Jair Bolsonaro, com quem rompeu, detalhar os podres dos bastidores do entorno do presidente. O maior deles é a suposta existência de um aconselhamento paralelo do qual até o filho Carlos Bolsonaro, vereador no Rio, participava.
Os demais ex-subordinados, como diz o jargão, mataram no peito.
Talvez por convicção.
Talvez pelo temor de se autoincriminar. O que é mais provável.
Pazuello, por exemplo, culpou meio mundo pela tragédia que já matou quase 450 mil compatriotas por covid-19 no país: hackers, empresas privadas e governos estaduais. Tudo, menos o chefe tem parte na sequência de atos e omissões.
A lealdade cobra um preço.
Wajngarten, em sua entrevista à Veja, citou a incompetência do Ministério da Saúde ao justificar o fracasso das negociações para a vacina da Pfizer, que hoje poderia render frutos e minimizar a carnificina.
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Quem sentiu o cheiro da encrenca desconfiava da existência de mais elementos entre a suposta inépcia e os evidentes escorregões. Nestes últimos cabem lobbies, acerto de comissões, gastos desnecessários, viagens improdutivas e outras prioridades.
Os senadores sabiam onde queriam chegar quando perguntaram do que se tratava o tal “pixulé” citado por Eduardo Pazuello em sua despedida do ministério. Pazuello desconversou.
O assunto é sensível e dispensa julgamento prévio.
Quando o assunto é corrupção, seja em repartições públicas ou privadas, há duas formas básicas de abordagem. Uma é honesta, e pede o reconhecimento de que se pode prometer vigilância e pulso firme, mas não a sua extinção.
Outra, que promete seu extermínio, é arrogante e pretensiosa. Equivale a vender terreno na Lua.
Bolsonaro apostou firme na segunda opção. Corrupção, para ele, é só a festa do vizinho para o qual, até outro dia, o baixo clero, por irrelevante, não era convidado.
Suspeita debaixo do próprio nariz, para ele, tem outros nomes. Um deles é perseguição.
É o que moveria parte da imprensa ao tentar entender quem são, onde vivem e do que se alimentam os beneficiários de um certo orçamento paralelo que irrigou a base aliada com R$ 3 bilhões em emendas.
Um dia antes do depoimento de Pazuello, o Jornal Nacional encontrou indícios de fraudes em contratos do Ministério da Saúde no Rio. A suspeita foi levantada após militares escolherem, sem licitação e com pedido de urgência, devido à pandemia, as empresas que fariam reformas em prédios antigos durante a gestão do então ministro. Os responsáveis estão com o pescoço na reta.
Na última quarta-feira 19, enquanto todo mundo aguardava o depoimento de Pazuello, 160 agentes da Polícia Federal cumpriam 35 mandados de busca e apreensão em dois estados e no Distrito Federal. Entre os endereços vasculhados estavam uma residência em São Paulo e um imóvel funcional do ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), que teve os sigilos bancário e fiscal quebrados. O gabinete da pasta no Pará também foi alvo da ação.
A operação resultou no afastamento do presidente do Ibama, Eduardo Bim. Autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Morais, a ação investiga um esquema de exportação ilegal de maneira para EUA e Europa. Os alvos são suspeitos de praticar corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e de facilitar o contrabando. Carga pesada, e que já identificou movimentação atípica.
Em meio às investigações, Salles e companhia terão tempo para se defender e, se possível, provar a inocência. Estado democrático de Direito também vale para quem os deplora, queiram ou não.
Mas a simples manutenção do ministro do Meio Ambiente no posto já coloca seu chefe em saia-justa.
Há, entre os conselheiros do presidente, quem defenda que a fumaça seja tirada logo do Planalto. Ao menos enquanto durar as investigações. Isso envolve lançar o ministro pela janela com o corpo em chamas.
A outra opção é aposentar, por ora, o distintivo de xerife implacável contra a corrupção e sair em defesa de um investigado por...corrupção. O distintivo está surrado, meio rachadinho, mas que convence os apoiadores de primeira ordem.
Entre uma alternativa e outra, entra em jogo o cálculo da fidelidade. E isso Salles já entregou.
Bolsonaro sabe quanto isso pode fazer falta em tempos de CPI e baixa popularidade.