Crítica: ‘Mato seco em chamas’, com atrizes ex-presidiárias, escancara conflitos que explicam nosso país
É do encontro entre a lembrança de um passado marginalizado e a imaginação de um futuro redentor que “Mato seco em chamas” se impõe. E nem sempre é um encontro harmonioso: primeiro, porque há muitas barreiras num país como o Brasil; segundo, porque os diretores Adirley Queirós e Joana Pimenta se arriscam no difícil terreno de misturar realidade com ficção.
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Passado em Ceilândia, periferia pobre de Brasília, o filme é centrado numa gangue que rouba e vende petróleo com apoio de motoboys e que é liderada por duas irmãs, Chitara (interpretada por Joana Darc Furtado) e Léa (Léa Alves da Silva). O cenário é de um deserto cheio de máquinas, num clima “Mad Max” de uma terra sem lei. As atrizes são ex-presidiárias, usam seus nomes e apelidos reais e compartilham ao longo do filme memórias que soam verdadeiras para milhões de brasileiras e brasileiros oprimidos na nossa História.
Na condução da trama, também aparecem outros elementos bastante conhecidos do país: a importância das igrejas para a recolocação dos indivíduos, a política partidária como possibilidade de enfrentamento, o papel opressor das milícias e a ascensão da extrema direita expressa sobretudo numa manifestação de apoio a Jair Bolsonaro.
O filme, assim, escancara os conflitos que explicam nossa sociedade. Numa cena, é mostrado um templo, com personagens entoando um louvor e repetindo com o pastor a frase “Eu sou mais do que vencedor”. Depois, um ônibus percorre a cidade cheio de mulheres dançando sensualmente ao som do funk “Helicóptero”, de DJ Guuga e MC Pierre, cuja letra diz: “Muito obrigado, você e sua colega, por nos dar a xereca”.
São dois mundos que se complementam, fazem de nós quem somos e representam um passo interessante na carreira de Adirley, diretor celebrado desde o ótimo “Branco sai, preto fica” (2014) .