Deputado desenha compra de votos no Congresso. Fica por isso mesmo?
Com a naturalidade de quem descreve quanto foi uma partida de futebol, o deputado Delegado Waldir (PSL-GO) revelou ao repórter Guilherme Mazieiro, do The Intercept Brasil, que custou R$ 10 milhões aos cofres públicos cada voto favorável a Arthur Lira (PP-AL) na disputa (vitoriosa) pelo comando da Câmara. O triunfo transformou o colega no mandatário de fato do país. Palavras do entrevistado.
É Lira, afinal, quem tem a chave do cofre de orçamentos paralelos e outras rubricas em um momento em que os ministérios vivem à míngua.
Em sua defesa, não foi ele quem inventou a roda. Durante a votação da Previdência, projeto-chave do governo aprovado em 2019, quando a Câmara era comandada por Rodrigo Maia (sem partido-RJ), cada voto pró-governo custou R$ 20 milhões.
O Delegado está revoltado. “O governo me deve”, disse, sobre o acordo fechado naaquela votação, quando ele era ainda o líder do PSL. Deve e não paga, segundo ele, por pura “retaliação”.
O deputado não é mais bem-vindo ao círculo mais próximo do bolsonarismo desde que prometeu em 2019 “implodir” o presidente, chamado por ele de “vagabundo” após uma desavença sobre o comando do PSL.
A implosão, como se sabe, não aconteceu. O governo segue tramando livremente por aí, como atestou recentemente outro candidato a homem-bomba, o deputado Luis Miranda, que jura ter alertado Bolsonaro sobre as estranhas transações que ocorriam no Ministério da Saúde para a compra de vacinas. Alguém ainda se lembra?
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Na entrevista ao Intercept, Delegado Waldir descreve o tabelamento de preços para o apoio às pautas governistas. “O Lira e o Pacheco têm o controle dos recursos. ‘Dei R$ 10 milhões para você, R$ 20 milhões para o Fernando, R$ 30 milhões para o Waldir’. Quem tem esse controle é o assessor de orçamento, o Lira e o Pacheco. Ninguém mais tem. Depois a gente fica sabendo porque os parlamentares vão para as redes sociais divulgar. ‘Mandei R$ 50 milhões…’ Aí, você derruba a casa por aí.”
Emendas para parlamentares são instrumentos legais que, historicamente, são movidas com base na boa vontade dos donos da caneta sempre que tem votação importante no Congresso. Isso sempre fez parte do jogo político —o mesmo que Bolsonaro prometia implodir, antes de terceirizar o serviço para seu agregado instalado no Congresso. E que, dizem por aí, hoje faria Eduardo Cunha (MDB-RJ), no auge do seu reinado, parecer um amador. Dizem.
O problema é que, pelas regras atuais, com base nas emendas do relator, hoje na mira do Supremo Tribunal Federal, todos os deputados são iguais, mas uns são mais iguais que outros. Principalmente quem for amigo do rei, como desenha Waldir. Quem está de fora, não consegue rastrear para onde foi o dinheiro. Nem saber se ele foi mesmo aplicado no reduto prometido ou se foi para o bolso do destinatário, como o próprio Delegado Waldir atentou em outra entrevista, desta vez para o UOL.
Ao Intercept, ele ainda declarou: “tem deputado de esquerda que recebe também. É diálogo individual. Na esquerda, você acha que esse monte de parlamentar que votou na PEC [dos precatórios] votou porque é favorável? Claro que não…”
O silêncio dos dias seguintes após a entrevista contrasta com a hecatombe de outra entrevista, dada em 2005 por outro deputado da base e desafeto do governo (da época), Roberto Jefferson (PTB-RJ). Só que dessa vez não houve coletiva, nota de posicionamento, pedidos de medidas judiciais, nem que fosse para desmentir o mensageiro. Menos ainda articulação para abertura de CPI.
O que houve foi um ou outro apoiador questionando a integridade de Delegado Waldir. Como se a denúncia do “mensalão” tivesse surgido em uma entrevista da Madre Teresa.
Em medida quase solitária, coube ao PSOL apresentar à Procuradoria Geral da República uma representação contra os citados na entrevista, que envolveu quadros influentes do governo, como o secretário-geral da Presidência Luiz Eduardo Ramos. Pelo histórico do atual procurador-geral, é melhor esperar sentado que algo aconteça com a turma.
Pelos lados do Congresso, os amigos do centrão estão lá para isso: mandar para o mato qualquer bola que leve perigo à área de quem deu a eles a chave do cofre.
A denúncia do chamado mensalão não impediu o então presidente Lula de se reeleger um ano depois, mas provocou uma hecatombe, com peças-chave de seu governo alvejadas, algumas condenadas ou afastados definitivamente da vida pública.
Outros tempos.
No país da indignação seletiva, a repartição do esperneio replica o método de distribuição de recursos: todas as suspeitas são iguais, mas uns são mais suspeitos que os outros.