Descendentes de judeus sefarditas correm por nacionalidade em Portugal antes de nova regra

LISBOA, SP (FOLHAPRESS) - Descendentes de judeus expulsos de Portugal durante a Inquisição estĂŁo correndo para formalizar seus pedidos de nacionalidade lusa atĂ© 1Âș de setembro, quando entram em vigor novas regras que devem inviabilizar o benefĂ­cio para a maior parte dos candidatos.

ApĂłs essa data, o governo passarĂĄ a exigir a comprovação de vĂ­nculos contemporĂąneos, como a herança de imĂłveis e a realização de viagens regulares ao paĂ­s ao longo da vida. Antes, a certificação de ascendĂȘncia sefardita era a principal exigĂȘncia do processo.

A menos de quatro meses da vigĂȘncia das novas regras, escritĂłrios de advocacia, genealogistas, assessorias de imigração e grupos nas redes sociais tĂȘm registrado aumento expressivo de consultas. SĂł entre 10 e 27 de abril, a CIL (Comunidade Israelita de Lisboa) recebeu mais de 10 mil pedidos de certificação de ascendĂȘncia sefardita, segundo levantamento da reportagem com base na numeração dos processos.

A TR Advogados relatou um aumento de 150% nos pedidos de atendimento do tipo nos trĂȘs primeiros meses de 2022, em relação ao mesmo perĂ­odo do ano anterior. Com forte atuação no segmento, a assessoria Portugal para Todos diz que a procura mais do que dobrou desde o anĂșncio das mudanças. Na assessoria Clube do Passaporte, a proporção de consultas feitas por descendentes de sefarditas saltou de 60% para 70% do total de atendimentos.

A atividade em fĂłruns de discussĂŁo sobre nacionalidade e genealogia tambĂ©m disparou. A empresĂĄria paulista Valeria Mendes Ă© uma das que tentam submeter o pedido --e obter a documentação necessĂĄria-- antes das novas exigĂȘncias. "Tenho duas primas que jĂĄ conseguiram a cidadania, por isso a parte mais difĂ­cil, que era a de fazer o mapeamento genealĂłgico, estĂĄ feita", diz. "Minha dĂșvida agora Ă© saber se, com a grande quantidade de pedidos, vou conseguir obter a certificação obrigatĂłria a tempo."

A velocidade dos processos de certificação, aliĂĄs, Ă© uma das grandes dĂșvidas entre especialistas. Para conseguir o documento, os candidatos submetem um dossiĂȘ genealĂłgico que comprove a ligação com o grupo expulso da PenĂ­nsula IbĂ©rica na Inquisição. O material Ă© entĂŁo analisado por uma comunidade judaica, e hoje sĂł a comunidade de Lisboa emite os certificados. Com o aumento da demanda, o prazo para a conclusĂŁo dos processos estĂĄ incerto.

Muitos advogados dizem que, se o documento nĂŁo estiver pronto atĂ© a entrada em vigor das novas regras, irĂŁo submeter os pedidos mesmo sem ele. Para os processos ainda em confecção pela CIL, a ideia Ă© anexar todos os protocolos, a ĂĄrvore genealĂłgica e demais informaçÔes comprobatĂłrias da ascendĂȘncia.

"É um risco, mas nossa segurança jurĂ­dica vigora no princĂ­pio da ampla defesa. Ou seja, o processo nĂŁo Ă© indeferido liminarmente por falta de documento sem opção de defesa e contraditĂłrio", avalia a advogada luso-brasileira Raphaela Souza, sĂłcia da consultoria Portugal para Todos. "As regras sĂŁo novas e por isso ainda nĂŁo hĂĄ casos concretos para essa situação."

Na interpretação de Angela Theodoro, sĂłcia da TR Advogados e parceira do escritĂłrio L.O. Baptista, sĂł os pedidos de nacionalidade submetidos com a documentação completa tĂȘm garantia de concretização. "O simples fato de submissĂŁo do pedido de obtenção do certificado junto Ă  comunidade israelita atĂ© 31 de agosto nĂŁo terĂĄ o condĂŁo de afastar a produção dos efeitos da nova regulamentação."

As alteraçÔes foram introduzidas pelo governo em um decreto publicado em março. A decisão de dificultar o acesso à nacionalidade portuguesa pela via sefardita aconteceu após o oligarca russo Roman Abramovich, dono do time de futebol britùnico Chelsea e muito próximo do presidente Vladimir Putin, obter o passaporte luso por meio do mecanismo.

Imerso em polĂȘmicas, o processo de naturalização do bilionĂĄrio Ă© alvo de duas investigaçÔes no paĂ­s. O rabino responsĂĄvel pela certificação do vĂ­nculo sefardita de Abramovich, Daniel Litvak, chefe da Comunidade Israelita do Porto, chegou a ser preso pela PolĂ­cia JudiciĂĄria portuguesa em uma investigação sobre irregularidades no processo do oligarca e de outros empresĂĄrios.

A Comunidade Israelita do Porto negou quaisquer irregularidades, mas anunciou, ainda em março, que não iria mais realizar a anålise e a certificação dos vínculos sefarditas. Até então, a entidade era responsåvel por quase 90% dos documentos emitidos.

A concessão de nacionalidade portuguesa aos descendentes de judeus sefarditas expulsos da Península Ibérica no século 16 foi introduzida na lei em 2015 e rapidamente ganhou popularidade.

Até 2021, o país jå havia concedido 56.685 nacionalidades por meio do mecanismo. Embora o Ministério da Justiça ainda não tenha fornecido a divisão por nacionalidades, milhares de brasileiros jå se beneficiaram da lei, criada como forma de reparação histórica.

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