Disputa no Congresso define se Lula ficará na mão do centrão ou de radicais
O apoio do PSDB à candidatura de Rogério Marinho (PL-RN) à presidência do Senado bagunçou a ideia de que a distribuição de forças no Congresso, ao longo do atual mandato, teria governistas em uma ponta, o bolsonarismo, em outra, e a chamada direta moderada entre as linhas das trincheiras.
A adesão do neotucano Alessandro Vieira, senador combativo ao longo da CPI da Covid, ao postulante bolsonarista aponta para um caminho mais turvo do que Lula (PT) imaginava ou gostaria nesse início de governo.
Até outro dia a disputa pelo comando no Congresso estava mais ou menos assim: ao apoiar a reeleição de Arthur Lira (PP-AP) na Câmara, o PT assimilava o velho ditado segundo o qual se não é possível vencer um inimigo é melhor juntar-se a ele; no Senado, por outro lado, a recondução de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que acenava com bandeira branca a Executivo e Judiciário, parecia certa.
Às vésperas da votação, que acontece nesta quarta-feira (1º/2), nada mais é certo na disputa.
A começar pela ideia, ainda trôpega, de base governista.
Lula imaginou que o apoio do União Brasil estava precificado com a escolha de três representantes da legenda para o ministério. Faltou combinar com o restante da bancada, que tem em suas fileiras do Senado o antípoda Sergio Moro (PR), que já anunciou apoio a Marinho. Moro inicia seu mandato mais bolsonarista do que quando era ainda ministro de Jair Bolsonaro (PL).
Aliados que, em tese, dariam voto certo ao candidato apoiado por Lula ameaçam debandar. Tudo vai depender da boa vontade do presidente com as nomeações ainda em aberto para autarquias e cargos de segundo escalão.
Todos querem um naco da administração. Codevasf e outras estatais, as mesmas que renderam manchetes sobre escândalos em governos anteriores, inclusive o de Bolsonaro, passam a ser moedas contadas em troca de apoio. O governo deve perder alguns anéis para não ficar sem as mãos.
Lira já não era o candidato dos sonhos do Planalto. Foi ele que garantiu a travessia sem sustos de Bolsonaro em direção ao fim do mandato, sem riscos de impeachment, à base do orçamento secreto.
O deputado tem tudo para sair da disputa mais fortalecido do que nunca. Seu arco de apoio vai de parlamentares bolsonaristas a Guilherme Boulos (PSOL). Nem Eduardo Cunha, que Deus o tenha em misericórdia, foi tão longe. Coisas da realpolitik.
No Senado ninguém é capaz de prever o que pode acontecer.
Isso fica evidente quando se nota que nem Gilberto Kassab, que saiu da eleição como base de apoio tanto de Lula quanto do bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos), em São Paulo, é garantia de fidelidade do seu PSD na votação de Pacheco.
Não há conta fácil em jogo. Ou o governo estará nas mãos de um centrão fortalecido no biênio 2023-24 ou terá de lidar com um bunker bolsonarista numa das Casas Legislativas, onde o vencedor leva tudo –inclusive uma agenda pronta e guardada para ir à desforra contra o Supremo Tribunal Federal, até aqui uma pilastra fundamental para impedir o avanço extremista no Brasil.
Marinho é o candidato de Bolsonaro, de quem foi ministro, e dos fanáticos que dias atrás invadiram as sedes dos Três Poderes, inclusive o Senado, para promover a destruição. É com essa turma que Alessandro Vieira e companhia decidiram marchar juntos.
Marinho, em seus primeiros passos, tem se esforçado para mostrar que não é da mesma laia de seus patrocinadores.
A postura é demonstrada com fala mansa e promessas de pacificação. Mas cai em flagrante contradição ao posar para foto ao lado de Damares Alves (Republicanos-DF), uma radical de quatro costados.
Jair Bolsonaro, em seu giro como palestrante nos EUA, apostou que o governo de seu sucessor não vai longe.
A disputa no Senado não deve ser o fim da linha para ninguém, mas o começo de dias intensos.
Lula é até aqui o principal prejudicado da peleja. Seja porque terá de queimar capital político, com base em chicanas e nomeações, para evitar o pior, seja porque o esforço pode não ser suficiente.
Seu trabalho para “desbolsonarizar” a administração federal volta à estaca zero se tiver de lidar com um Congresso hostil e liderado pela nata do bolsonarismo.