“Dizer que a corrupção acabou, onde cara pálida? No Brasil? É ruim!”, diz subprocurador

Subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado
Subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado (Foto: Janine Moraes/ Câmara dos Deputados)

Um dos mais atuantes no Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), o subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado é acusado por apoiadores do governo de atuar com motivações políticas. Em entrevista ao Yahoo, ele nega que tenha “pretensão partidária” e reforça o papel de fiscalização dos gastos públicos e de combate à corrupção.

A defesa da democracia é outro pilar defendido pelo subprocurador. “Se eu tivesse que apostar, jogaria tudo na democracia”, resume.

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Questionado se há ameaça à democracia no atual governo, Furtado diz que são “arroubos”, mas que não se pode “dormir” na defesa da democracia.

O subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU nega que a corrupção tenha acabado no Brasil, como afirmou recentemente o presidente Jair Bolsonaro. “A corrupção, infelizmente, nunca acaba. Exige vigilância constante”, afirma.

Furtado elogia também os ministros do TCU José Múcio Monteiro, ex-presidente da Corte, e a atual presidente, Ana Arraes. Múcio inclusive já defendeu publicamente a atuação do subprocurador, dizendo que está de acordo com sua atividade. "Eu acho que cada um cumpre seu papel, como deve fazer", afirmou o ex-presidente do TCU.

Furtado reconhece que tem a imprensa como sua “maior fonte de inspiração”. “Levo para o poder público muito do que a imprensa levanta. Portanto, sou uma mera ponte”, explica.

De fato, a maioria de suas representações tem como base denúncias veiculadas na imprensa.

Nos últimos meses, ele representou sobre os relatórios da Agência Brasileira de Investigação (Abin) para a defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), sobre os testes para covid encalhados e sobre a publicidade de bancos públicos e da Secretaria de Comunicação da Presidência da República em sites que divulgam notícias falsas.

Em setembro, a Advocacia-Geral da União suspendeu a promoção de 607 procuradores, após representação de Furtado.

No ano passado, o plenário do TCU acatou pedido dele para suspender a publicidade do pacote anticrime paga pelo governo federal, estimada em R$ 10 milhões. No pedido de suspensão, o subprocurador argumentou que não é adequado aplicar recursos em matéria em tramitação no Legislativo.

O ministro Vital do Rêgo ressaltou que o governo não comprovou utilidade pública da propaganda, de uma lei que ainda seria aprovada pelo Congresso.

"Entendo que a utilização de recursos públicos para a divulgação de 'um projeto de lei' que, em tese, poderá, de forma democrática, sofrer alterações sensíveis após as discussões que serão levadas a efeito pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal não atendem aos requisitos de caráter educativo, informativo e de orientação social”, afirmou o ministro.

Leia abaixo a entrevista:

Yahoo - Em primeiro lugar, gostaria que o senhor explicasse qual a competência do MP junto ao TCU?

Lucas Rocha Furtado - O MP/TCU é competente para provocar o TCU, e este mexe com dinheiro público federal. Na visão tradicional, havia o tribunal de faz de contas ou o tribunal festivo. Mas sua função principal é ser um pilar no combate à corrupção. Alio-me a esse processo.

Yahoo - O senhor é um dos procuradores mais atuantes e sua atuação tem sido considerada política. Como o senhor avalia essas críticas?

Lucas Rocha Furtado - Espero ser atuante, e sendo atuante sou acusado, por quem pode ser afetado por essa atuação, de ser político. Mas asseguro: não tenho qualquer pretensão partidária. Além, me é proibido pela própria Constituição Federal. Mas espero que essa atuação se torne comum no MP, e que isso não seja visto como algo partidário.

Yahoo - O senhor tem um balanço de quantas representações apresentou neste ano, por exemplo?

Lucas Rocha Furtado - Não faço ideia de quase representações protocolei esse ano. Mas leio jornais, e busco na imprensa a maior fonte de inspiração.

Yahoo - Em entrevista, o senhor já afirmou que sua atuação é a de ser uma ponte entre o trabalho da imprensa livre e o poder público. Qual a importância desse papel em um estado democrático de direito?

Lucas Rocha Furtado - O controle social pressupõe que o poder público coopere com os particulares, com a população. Um não vive sem o outro. É impossível um querer atuar sem a colaboração do outro. E nesse ponto, entra imprensa. Ela é fundamental para a democracia e para o controle. Então, quando criticam minha atuação, na verdade, estão criticando a imprensa e a democracia. Levo para o poder público muito do que a imprensa levanta. Portanto, sou uma mera ponte. Felicito a imprensa.

Yahoo - O senhor vê algum indício de ameaça à democracia no atual governo?

Lucas Rocha Furtado - Se eu tivesse que apostar, jogaria tudo na democracia. Ainda que poucos possam defender o retorno de um AI-5 (isso em direito é prova de inimputabilidade), o Brasil é muito maior que eles. São meros arroubos e objetivam alcançar os que têm também ódio. Mas a democracia pressupõe não dormir porque bichos papões podem ameaçar!

Yahoo - Como anda o combate à corrupção no Brasil atualmente? O que poderia ser feito para melhorar a fiscalização dos gastos públicos?

Lucas Rocha Furtado - O combate à corrupção no Brasil atual é difícil. Mas nunca foi fácil. Atuo como procurador há quase 30 anos, e nunca o caminho foi aberto. E dizer que ela acabou, onde cara pálida? No Brasil? É ruim! Cícero, na Roma antiga, já dizia que a corrupção não é problema dos tempos, mas do homem. A corrupção, infelizmente, nunca acaba. Exige vigilância constante.

E a visão tradicional acerca do papel do TCU no combate à corrupção resultou em por o Brasil numa posição incômoda em termos de combate à corrupção na lista da transparência internacional. É isso que a população brasileira quer?

Yahoo - Como o senhor avalia a mudança recente na presidência do TCU.

Lucas Rocha Furtado - Conheço o ministro Múcio e conheço a ministra Ana Arraes. Um é mais à esquerda, outro mais à direita. Quem? Não faz a menor diferença: são pessoas sérias. Algum leitor pode pensar: é um sonhador. Cito Monteiro Lobato: ‘no início tudo é sonho. Mas tantos se tornaram realidade que não podemos duvidar de nenhum’.

E o que vale para a presidência do TCU, vale também para meu gabinete. Sou apenas uma peça. Sem as demais pessoas do meu gabinete, técnicos e assessoria, não faria nada! 2021 promete!