'Efeito Bolsonaro': estudo faz radiografia da nossa tragédia na pandemia
O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta declarou no programa Roda Viva, da TV Cultura, que Jair Bolsonaro fez uma opção política consciente que colocava em risco a vida das pessoas durante a pandemia do coronavírus.
“Não acho que seja despreparo. Acho que foi uma decisão consciente, sabendo dos números, apostando num ponto futuro”, disse Mandetta, para quem o ex-chefe se abraçou à tese da economia para poder dizer que foi o responsável por uma futura recuperação.
De lá pra cá, o Brasil já contabilizou 150 mil mortos na pandemia e um tombo de quase 10% do PIB no terceiro trimestre. Não fosse o auxílio emergencial, aprovado a duras penas por empenho do Congresso, o estrago seria ainda maior entre os mais vulneráveis. Hoje o presidente se apoia no benefício para manter a popularidade.
Diante dos índices, passa relativamente ilesa, nos debates das eleições deste ano, a responsabilidade do presidente na tragédia. Pelo contrário, a melhora em sua avaliação tem levado candidatos a prefeito a disputarem o apoio do capitão.
Essa responsabilidade, porém, tem um encontro marcado com a história.
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Divulgado pela Folha de S.Paulo, um estudo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro em parceria com o Instituto Francês de Pesquisa e Desenvolvimento mostrou que houve, sim, um “efeito Bolsonaro” na propagação da doença pelo país.
Segundo o levantamento, que usou dados das eleições presidenciais de 2018 nos mais de 5,5 mil municípios brasileiros, existe uma correlação entre a expansão da Covid-19 e os lugares onde Bolsonaro ostenta a preferência dos eleitores.
O estudo converte em matemática o que na boca do ex-ministro da Saúde é uma forte acusação. Isso porque, segundo a reportagem, para cada 10 pontos percentuais a mais de votos para Bolsonaro, há acréscimo de 11% no número de casos de covid-19 e de 12%, no número de mortos.
Para os pesquisadores, é possível pensar que o discurso “ambíguo” do presidente, que chamava a covid de “gripezinha”, induz seus apoiadores a a adotarem com mais frequência comportamentos de risco, como o desdém ao isolamento e ao uso de máscaras, que ele chegou a vetar a obrigatoriedade.
Ainda de acordo com a Folha, o estudo apontou que as cidades com maior número de trabalhadores informais foram as mais afetadas pela pandemia. Quanto maior a taxa de informalidade, maior a taxa de contato e, consequentemente, da mortalidade. Para cada 10 pontos percentuais de informais a mais na população, apontou o estudo, a taxa de contato sobe 29% e a letalidade, 38% em média.
Por presunção, é possível dizer que quem não conta com o mínimo de proteção social para ficar em casa e esperar o pior passar precisa se arriscar mais em trabalhos que exigem deslocamento.
Entre as capitais, chama a atenção para a discrepância nos índices entre Florianópolis (SC), com 500 mil habitantes e 23% de trabalhadores informais, e Boa Vista, com 388 mil habitantes e quase dobro de informais (41%). A capital catarinense registrou até meados de agosto 938 contaminados e 15 mortes para cada 100 mil habitantes, enquanto na capital de Roraima os índices foram de 27 mil infectados e 108 óbitos.
Os estudos são ainda incipientes e prometem se somar a outros que podem e devem radiografar as ações e responsabilidades das autoridades no momento mais crítico, até aqui, do novo século.
Mas já servem como diagnóstico sobre as razões e consequências das nossas misérias. As econômicas e a política.