'Ela me pediu para não abandoná-la após ser ameaçada pela própria filha', diz parente de idosa sequestrada

Lembro com clareza da frase: "Não me abandone, por favor". Dona Cida e eu convivíamos por conta do meu sobrinho de 9 anos, já que era sempre eu quem o buscava em sua casa para as visitas, por ordem judicial. Mas nós nunca fomos próximas. Até que, no dia 25 de novembro do ano passado, ela me procurou para falar dos maus-tratos que meu sobrinho vinha sofrendo por parte da mãe.

"Meu sobrinho ficava um dia inteiro só com uma alimentação e já teria passado três dias sem banho. Naquele mesmo dia, dona Cida disse que era preciso denunciar o caso para a polícia. E ela fez isso" - Carina Penna

Dona Cida veio até mim após ligar para o meu irmão, que mora nos Estados Unidos. Paulo é pai do neto dela. Ela queria me contar pessoalmente o que percebeu. Então, nós nos encontramos e ela passou três horas explicando que o menino mal se alimentava e ficava dias sem tomar banho. A ela, ele contou já ter comido só um salgado durante todo o dia e já ter ficado três dias sem banho.

Quando soube disso, fiquei arrasada, com medo de que algo pior acontecesse com ele, porque a própria dona Cida me disse temer isso. Desde que meu irmão foi para o exterior, não conseguimos mais conviver com o meu sobrinho, porque a Justiça negou que ele ficasse conosco na ausência do meu irmão. Ali, naquele momento, só conseguia pensar no quanto havíamos tentado a guarda dele. Descobrir isso foi um misto de medo e frustração por não ter conseguido prevenir isso de acontecer.

Naquele mesmo dia, dona Cida disse que precisava denunciar o caso e pediu que eu a ajudasse. Foi quando decidimos procurar primeiro pelo Conselho Tutelar. Após ela relatar o que sabia, disseram que poderiam fazer uma denúncia anônima do fato ao Ministério Público. Em seguida, orientaram que procurássemos a Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (Dcav) para também fosse registrado na polícia, o que fizemos no dia 1º de dezembro.

Com medo que a filha descobrisse, dona Cida sempre pediu o anonimato aos órgãos. Quando os relatos de maus-tratos chegaram ao Ministério Público, no entanto, a 3ª Promotoria de Infância e Juventude indeferiu o pedido e encaminhou o caso para a 9ª Vara de Família, onde corre o processo da guarda do meu sobrinho.

O pedido de sigilo foi reforçado em todas essas movimentações, mas, por um equívoco, quando isso foi juntado ao processo da guarda, a Patrícia — mãe do meu sobrinho e filha de dona Cida — teve acesso à denúncia. Por isso, no dia 27 de janeiro, ela invadiu a casa da mãe e a ameaçou. A Patrícia chegou a chamar o Samu para a casa da mãe e disse que tinha delírios. Mas o serviço não relatou nada, disse que a dona Cida estava lúcida. A filha, então, teria prometido que, caso a dona Cida não retirasse a queixa, a internaria numa clínica. Apreensiva, dona Cida registrou uma nova ocorrência, dessa vez como violação de domicílio e ameaça três dias depois, na 9ª DP (Catete).

Devido às ameças, ela também fez uma troca de contatos. Passou o meu contato para uma amiga próxima dela, e passou o meu para essa amiga. Assim, caso alguma coisa acontecesse, nós duas saberíamos, já que a dona Cida sempre relatava todos os passos para essa amiga. Nesse dia, a dona Cida também me pediu para não abandoná-la, e reiterou que, se algo acontecesse, era para não deixarmos meu sobrinho continuar naquela situação.

"Ela foi encontrada, internada em uma clínica psiquiatra na Região Serrana do Rio. A filha, Patrícia, fez com que a sequestrassem e a internassem. O objetivo sempre foi desqualificar as denúncias que a mãe fez contra ela na polícia para proteger os netos" — Carina Penna

No dia 6 deste mês, ela voltou à delegacia, por volta do meio-dia, para saber como andavam as investigações do caso, mas não voltou mais para casa. A amiga, que sabia o que ela faria na parte da tarde, tentou contato às 16h, mas dona Cida não atendeu nem retornou. Foi quando ela passou a desconfiar e me ligou. No dia seguinte, consegui o contato do zelador do prédio onde a dona Cida mora, que me contou que a Patrícia havia invadido o apartamento da mãe.

Eles tentaram bater algumas vezes na porta, mas ninguém respondia. Então, decidimos eu, o zelador e o síndico do condomínio irmos à delegacia registrar o desaparecimento da dona Cida. Fiquei desesperada com o sumiço dela. Havia prometido que jamais a abandonaria, então a minha primeira reação foi 'vamos para a delegacia'. Sou muito grata por tudo que ela fez pelo meu sobrinho, eu precisava encontrá-la e não pararia.

Só ontem ela foi encontrada, internada em uma clínica psiquiatra na Região Serrana do Rio. A filha, Patrícia, fez com que a sequestrassem e a internassem. O objetivo sempre foi desqualificar as denúncias que a mãe fez contra ela na polícia para proteger os netos. Dona Cida, quando me procurou em novembro, disse que a filha era “uma psicopata”, que não tinha empatia e não amava nem a ela, nem ao filho. A única coisa pela qual se importava era o dinheiro.

Ver a dona Cida foi um alívio. Assim que soube que ela foi encontrada, corri para a delegacia. Ela disse que está bem dentro do possível, que está bem fisicamente. Isso tudo nos aproximou muito, ela já é da nossa família.