Eleições 2020 não têm vencedor claro, mas uma fileira de derrotados
Por incrível que pareça, há mais derrotados do que vencedores no tabuleiro das forças políticas apresentado nas eleições municipais pelo Brasil. Até o fim do mês, 50 cidades ainda definirão suas disputa, entre elas as duas maiores do país, mas o saldo parcial impede de apontar um ganhador absoluto.
Até 2022 há muita água para correr e muito alerta para assimilar, mas não parece precipitado dizer que Jair Bolsonaro reprovou em seu primeiro teste como presidente-cabo-eleitoral. Nem adianta dizer que ele não se engajou como poderia na campanha de seus aliados. As lives presidenciais, que deveriam ser públicas, e não partidárias, serviram como uma propaganda eleitoral online tão inapropriada quanto inócua.
No Rio, por exemplo, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) perdeu 35 mil votos em relação à última campanha, quando o pai ainda não era o presidente. Não é mais o campeão de votos da Câmara Municipal, posto perdido para um vereador do PSOL, Tarcísio Motta.
O apoio do presidente também não impulsionou sua antiga e suposta funcionária fantasma, a Wal do Açaí, que trabalhava como comerciante em Angra dos Reis enquanto figurava entre as servidoras do gabinete do então deputado federal em Brasília. A visibilidade nacional só não foi maior do que a vergonha. Ela recebeu apenas 266 votos na cidade e não foi eleita.
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Das apostas do presidente, uma vingou: a de que Marcelo Crivella (Republicanos) estaria no segundo turno no Rio. Capitão Wagner (Pros) também passou de fase em Fortaleza, mas no seu caso o anúncio do outro capitão não foi determinante; pelo contrário, ele construiu toda a campanha tentando mostrar que era mais do que um preposto do presidente na capital cearense.
Já os candidatos a prefeito apoiados por Bolsonaro em Belo Horizonte, Manaus, Recife, Santos e (principalmente) São Paulo naufragaram à medida que o suposto ajudante colocava o pé em seus barcos. Celso Russomanno (Republicanos), por exemplo, foi de favorito a quarto colocado.
Após o baque de 2016, a esquerda reunida em torno do PT não conseguiu se reerguer. O Partido dos Trabalhadores colheu a pior votação no maior colégio eleitoral do país, onde já elegeu três prefeitos, entre os quais Marta Suplicy, hoje apoiadora de Bruno Covas (PSDB), e Luiza Erundina (PSOL), vice de Guilherme Boulos (PSOL).
Liderada pelo ex-presidente Lula, a legenda perdeu 60% de suas prefeituras em 2016. Tinha 630 e passou a 250. Agora terá 174 filiados pelas prefeituras do país e tem chance de se sagrar vitoriosa em apenas uma capital, Vitória (ES), onde João Coser disputou o segundo turno.
O saldo fez com o que PT saísse das urnas com menos prefeituras do que outros partidos de seu campo, casos do PDT (304) e do PSB (245).
Assim como aconteceu em 2016, o MDB é o partido que mais elegeu prefeitos pelo país. Foram 754 filiados eleitos para os executivos municipais, desempenho bem inferior ao da última disputa, quando conquistou 1.028 cidades.
O PP vem logo atrás com 666, seguido por PSD (631), PSDB (486), DEM (450) e PL (335) --todos partidos da antiga direita ou do novo centrão.
Detalhe: o PSL, que em 2018 elegeu presidente, três governadores e a maior bancada da Câmara (hoje desidratada), consagrou apenas 85 prefeitos e fez mera figuração nas maiores cidades. O Republicanos, por sua vez, hoje mais identificado com o bolsonarismo, fez 202 prefeituras --quase 30 a mais do que os rivais do PT.
Em evidência, o PSOL chegou à “final” na maior cidade do país e também em Belém (PA), com Edmílson Rodrigues, mas o saldo pelo país também é baixo. A sigla elegeu apenas quatro prefeitos eleitos neste domingo.
O atraso na divulgação dos resultados fez com que os velhos teóricos da conspiração, que querem mudar tudo para tudo permanecer como está, saírem da toca e defenderem, sem autocensura, velhos cabrestos vendidos como “melhoramento”. Provavelmente ganharão eco, como tem feito Donald Trump nos EUA ao colocar em dúvida a legitimidade do processo eleitoral de seu país, mas o argumento por voto impresso ou voto remoto tem tanto sentido quanto pedir a volta dos cavalos toda vez que falha o motor de um automóvel. A ver.
Como esperado, as eleições deste ano, ainda sob o efeito e os temores relativos à covid-19, tiveram recorde de abstenções: 30,6% do eleitorado. Em algumas cidades o prefeito eleito teve menos votos do que o terceiro colocado em disputas anteriores. O risco é largar com teto baixo de expectativa e apoio popular.
Em 2016, nem todo mundo que cresceu nas disputas locais ganhou impulso ou musculatura para as eleições nacionais dois anos depois. O PSDB, que parecia ser o herdeiro natural dos votos pós-Lava Jato, viu alguns de seus figurões caírem nas investigações e saiu da disputa presidencial com 4% dos votos dedicados a Geraldo Alckmin (PSDB), que dois anos antes ajudou a eleger uma fileira de aliados, João Doria, em São Paulo, entre eles.
Mas há lições a serem tiradas por quem já olha o tabuleiro de 2022. O Rio é, até aqui, um laboratório do que pode e do que não pode, a depender de onde se olha, se repetir em nível nacional.
Terá na disputa entre o atual e um antigo prefeito, um beneficiário da onda por renovação, outro da antiga direita pefelista remodelada, um duelo que se espelha para além da política local.
Foi lá que três candidatas competitivas à esquerda perderam a chance de formar uma frente ampla pelos votos do campo progressista e viram a reunião de forças por afinidade se dissipar. Juntas, Martha Rocha (PDT), Benedita da Silva (PT) e Renata Souza (PSOL) tiveram 26% dos votos --4% a mais do que Marcelo Crivella, que se beneficiou da divisão e chegou, vivo, ao segundo turno.