Embaixador-cantor coreano quer levar kimchi para a mesa dos brasileiros
SĂO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Senhor Lim... Desculpe-me, mas... SerĂĄ que o senhor poderia me dar uma palinha?", pergunto, cheio de dedos, ao final da entrevista por telefone.
SilĂȘncio. Do outro lado da linha, estĂĄ o embaixador Lim Ki-mo, 56, autoridade diplomĂĄtica mĂĄxima da Coreia do Sul no Brasil. SerĂĄ que protocolos foram quebrados?
A tensĂŁo dura poucos segundos. Ouço sua respiração. Parece que vai falar. Começa: "Garçom / Aqui / Nessa mesa de bar / VocĂȘ jĂĄ cansou de escutar / Centenas de casos de amor...".
O mavioso senhor Lim nĂŁo Ă© tĂŁo belo quanto Reginaldo Rossi, mas fez bonito ao cantar "Garçom", "EvidĂȘncias" e outros hits da MCB (mĂșsica de caraoquĂȘ brasileira) em um jantar com jornalistas em BrasĂlia, na Ășltima segunda-feira (25). Convidados espalharam vĂdeos pela internet, e o embaixador coreano se tornou celebridade pop em questĂŁo de poucas horas.
Na entrevista, a cantoria sĂł foi interrompida porque comecei a gargalhar --e ele tambĂ©m. Lim Ă© a imagem bem-acabada do soft power que a Coreia do Sul tem emplacado com eficiĂȘncia asiĂĄtica e simpatia peculiar. O paĂs do K-pop, da excelĂȘncia no audiovisual e do kimchi.
Feito com vegetais (pepino, nabo e até alho, mas principalmente acelga) fermentados com pimenta por dias, o kimchi é a nova fronteira do avanço da cultura coreana no mundo. O resultado tem odor sulfuroso pungente e sabor desconcertantemente delicioso; ultrapassada a barreira do olfato, torna-se viciante.
Sob o comando do diplomata-cantor, a embaixada da Coreia estĂĄ fazendo uma blitzkrieg para promover o kimchi em BrasĂlia -cidade em que a comunidade coreana nĂŁo vai muito alĂ©m do corpo diplomĂĄtico. Coisa de cem indivĂduos, aproximadamente.
Na quarta-feira (27), o chef paulistano Paulo Shin, do restaurante Komah, esteve por lĂĄ para apresentar uma oficina numa faculdade de gastronomia. O 3 de maio Ă© dia de concurso, quando os alunos de Shin entregarĂŁo seus kimchis para uma banca que tem a embaixatriz Chun Jin-ah como jurada.
De 6 a 15 de maio, 11 restaurantes brasilienses oferecerĂŁo receitas com kimchi em um festival patrocinado pela embaixada. Iniciativa ousada numa cidade em que hĂĄ apenas uma casa especializada em comida coreana -o Soban, na Asa Sul.
"O kimchi Ă© parte da essĂȘncia coreana", diz o embaixador. Em linguagem mais mundana, Ă© o equivalente deles ao nosso arroz com feijĂŁo. Algo presente em quase todas as refeiçÔes de todos os lares da Coreia.
Nos Estados Unidos, a acelga fermentada extrapolou os restaurantes étnicos na década de 2010 e se tornou corriqueira nas grandes cidades. Em São Paulo, onde vive a maior comunidade de origem coreana, o kimchi também jå furou a bolha. Mas ainda não é nenhum sushi, nenhuma pizza.
O resto do Brasil é um pouco mais complicado. Hå funcionårios de empresas sul-coreanas no Amazonas e no Cearå, mas estão longe de perfazer uma população numericamente relevante. O kimchi é um estranho absoluto nos sertÔes além do Bom Retiro e da Aclimação.
Isso não abate o embaixador Lim, guerreiro do kimchi. "Queremos levar o festival para duas cidades a cada ano", afirma. Belo Horizonte estå na mira dos coreanos, mas o evento ainda carece de confirmação.
A conversa com o diplomata foi toda em inglĂȘs, pois Lim -que assumiu a embaixada em maio do ano passado- ainda nĂŁo Ă© fluente no portuguĂȘs. Antes de vir para o Brasil, ocupou postos na Guatemala, no MĂ©xico e na Argentina. Sabe falar espanhol, portanto.
"O portuguĂȘs Ă© muito mais difĂcil", diz em portuguĂȘs hesitante. "Os verbos variam muito." NĂŁo obstante, Lim recita Reginaldo Rossi com pronĂșncia imaculada e de cor, sem apelar para a cola. Um assombro.
"Eu ouvi cada mĂșsica mais de cem vezes", conta, "prestando atenção na letra". Por prazer, diplomacia no sentido mais estrito ou autoimolação? "NinguĂ©m consegue ouvir uma mĂșsica tantas vezes se nĂŁo gostar dela. Eu sinto o fluxo da emoção." Eita, eita, eita.
O embaixador demonstra interesse genuĂno pela cultura brasileira. Tamanho entusiasmo, claro, inclui nossa comida. "Gosto muito de caipirinha e de cachaça", diz. A "ca-cha-ça" sai de sua boca pausada, cristalina, quase voluptuosa. Nada um pouquinho mais sĂłlido, embaixador? "Feijoada e churrasco, com cachaça e caipirinha, e nĂŁo Ă© preciso mais nada."
Pergunto-lhe se jĂĄ tentou fazer caipirinha com soju, o destilado Ă base de arroz, trigo, cevada ou batata-doce. "VocĂȘ conhece soju?", rebate, espantado. "Quando vier a BrasĂlia, me chame. Eu te consigo um soju." Sim, com todo prazer, mas quero tambĂ©m ser convidado para o caraoquĂȘ. Vou cantar "Gangnam Style".
E quanto à caipirinha de soju, diplo? "Não funciona." Então Lim saca uma explicação que só um bebedor gabaritado poderia dar. "Cachaça tem 40% de ålcool. Soju, uns 20%. Limão com soju é suco."