Especialistas questionam obras contra ressaca na praia da Barra da Tijuca

Uma obra de grandes dimensĂ”es, realizada pela prefeitura entre os postos 3 e 8, com a proposta de estabilizar a Praia da Barra da Tijuca e evitar a destruição da orla pelas ressacas tem sido alvo de questionamentos feitos por um grupo de pesquisadores das universidades Uerj, UFRJ, UFF e PUC-Rio que desenvolvem estudos sobre a vulnerabilidade costeira na cidade. Vinte e um acadĂȘmicos assinaram um manifesto criticando a solução adotada pelo municĂ­pio — a instalação de colchĂ”es de concreto de trĂȘs a cinco metros abaixo da faixa de areia — e a falta de consulta aos estudiosos do tema para a intervenção.

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— NĂŁo estĂĄvamos sabendo de nada. Tomamos conhecimento das obras em dezembro, atravĂ©s de imagens que começaram a circular no WhatsApp. Tomei um susto, porque Ă© uma obra atĂ­pica, que nĂŁo estamos acostumados a ver, e impactante, com um buraco enorme cavado na faixa de areia — diz FlĂĄvia Lins e Barros, professora do departamento de Geografia da UFRJ e signatĂĄria do abaixo-assinado. — Preocupou-nos o fato de pessoas que hĂĄ dĂ©cadas pesquisam erosĂ”es costeiras, defesa do litoral e vulnerabilidades advindas das mudanças climĂĄticas na Barra da Tijuca nĂŁo saberem nem da intenção de se fazer algo ali. NĂŁo estĂŁo considerando os conhecimentos produzidos sobre o tema.

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O grupo de pesquisadores argumenta que as placas de concreto podem inclusive agravar os impactos da ressaca, causando mais danos Ă  orla, e pede que as obras sejam paralisadas.

— Quando vocĂȘ coloca essas mantas de concreto enterradas, substitui a areia por uma estrutura rĂ­gida. Na prĂłxima ressaca, ao revolver a praia, o risco Ă© de as ondas encontrarem concreto, em vez de encontrarem areia, e voltarem com toda a sua energia para o mar. Com isso, vĂŁo começar a escavar e a causar uma forte erosĂŁo na praia, tornando a faixa de areia mais estreita e Ă­ngreme do que Ă© hoje. Assim, nas prĂłximas ondulaçÔes fortes, o mar poderĂĄ encontrar o calçadĂŁo com mais facilidade e agravar os danos Ă s construçÔes da orla — explica FlĂĄvia. — A Praia da Barra Ă© resiliente; recupera bem seu estoque de areia apĂłs uma ressaca, e o concreto pode desequilibrar esse processo de regeneração natural.

Outra subscritora do manifesto, Josefa Varela Gomes, professora do Departamento de Oceanografia GeolĂłgica da Uerj, aponta outros riscos, como consequĂȘncias paisagĂ­sticas:

— Se a camada de areia sobre os colchĂ”es de concreto for removida durante eventos de ressaca e tempestade, vocĂȘ pode ter a exposição e a dispersĂŁo desses materiais, comprometendo a beleza que atrai tantas pessoas para a praia. Fora os efeitos na flora. As raĂ­zes da vegetação de dunas penetram metros na areia e, normalmente, estruturas impermeĂĄveis, como o concreto, tendem a causar problemas.

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Defesa do projeto

Consultor técnico-científico do projeto posto em pråtica pela prefeitura, o oceanógrafo David Zee, também professor da Uerj, destaca que a solução adotada é apenas emergencial.

— Esses colchĂ”es nada mais sĂŁo do que um reforço para se criar uma resistĂȘncia maior contra a retirada de areia feita pelo mar. A ressaca vai cavando a praia atĂ© atingir o calçadĂŁo. Com essas estruturas, admitimos que as ondas cavem atĂ© determinado limite, evitando que atinja o calçadĂŁo. A prefeitura pediu um projeto emergencial, nĂŁo para a eternidade, porque a praia jĂĄ estĂĄ com as feridas abertas, com quiosques e ciclovia caindo, e a situação corre o risco de piorar — diz o cientista. — Se pecamos foi em nĂŁo ter divulgado o plano com amplitude, na pressa de resolver o problema. Acho justa a reclamação, mas depois que conseguirmos conter o alastramento dos danos, podemos discutir se o projeto Ă© bom ou ruim, porque nĂŁo existe mesmo uma unanimidade.

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A professora Flåvia defende que a solução deve passar pelo ordenamento da ocupação da praia:

— O que explica os danos na orla nĂŁo Ă© um processo de erosĂŁo costeira intenso, mas o fato de, historicamente, e atĂ© recentemente, as construçÔes invadirem a faixa de areia da praia, ficando mais perto do mar e retirando a proteção natural exercida pelas dunas e restingas. A cidade nĂŁo adota alguns instrumentos de gestĂŁo costeira, como o Projeto Orla, que jĂĄ existe hĂĄ cerca de 20 anos no Brasil. Uma das propostas dele Ă© criar uma faixa de proteção das praias, permitindo ocupação sĂł depois de 50 metros a partir do final dela.

Moradores opinam

Pioneiro do bodyboard e dono de uma escolinha na praia, entre os postos 4 e 5, hå duas décadas, Marcus Kung, de 63 anos, se diz contrårio as obras:

— Eu acho um absurdo fazer uma obra dessa magnitude sem uma discussĂŁo prĂ©via com diferentes especialistas e com a população. Foi meio grosseira a forma como foi iniciada a obra. Por isso, fiquei perplexo. Deveria ter havido uma audiĂȘncia pĂșblica.

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Jå Marco Ripper, presidente da Associação de Moradores do Quebra-Mar, aprova as intervençÔes:

— Acho que tem que fazer uma proteção firme mesmo, senĂŁo, daqui a pouco, nĂŁo vai ter mais Avenida Lucio Costa. Na minha opiniĂŁo, sĂł a vegetação de restinga nĂŁo vai mais segurar a força do mar. Das duas frentes que estĂŁo brigando, a mais consciente Ă© a que estĂĄ botando concreto.

O surfista Abílio Fernandes, que foi gestor do Parque Natural Municipal da Prainha por sete anos, considera importante a intervenção emergencial, mas defende também açÔes mais robustas posteriormente:

— A obra Ă© necessĂĄria em virtude do que pode acontecer, que Ă© o mar avançar e acabar destruindo tudo: do calçadĂŁo Ă  pista de rolamento. PorĂ©m, o que precisa ser feito depois Ă© uma obra definitiva, incluindo a recuperação da vegetação de restinga de toda a orla, que fixa a areia e evita a erosĂŁo das praias, e o combate da invasĂŁo de quiosques a essas ĂĄreas de vegetação nativa. Essas medidas vĂŁo devolver a morfologia natural da praia e tornĂĄ-la mais segura.

O que diz a prefeitura

A prefeitura informa que investe R$ 10,6 milhÔes na recuperação dos danos causados pelas ressacas e garante que a intervenção não traz prejuízos para a orla nem para a paisagem. Acrescenta que não haverå remoção da vegetação de restinga existente, apenas sua recuperação.