"Guerra Fria" entre EUA e China pode fazer Bolsonaro mudar diplomacia, dizem analistas

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Brazil's President Jair Bolsonaro presents a Brazil naitonal soccer team jersey to U.S. President Donald Trump after Trump gave him a U.S. soccer team jersey during a meeting in the Oval Office of the White House in Washington, U.S., March 19, 2019. REUTERS/Kevin Lamarque
Bolsonaro e Trump: aliança com EUA pode mudar nos próximos anos (Reuters)

No século 20, a chamada Guerra Fria foi o confronto ideológico-econÎmico (e militar, mesmo que indiretamente) entre Estados Unidos e União Soviética.

Neste século, uma nova Guerra Fria se desenha. Os Estados Unidos novamente estão no jogo. O adversårio dessa vez é a China, um país que convive de forma harmoniosa hå décadas com o comunismo e o capitalismo.

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O tom de ameaças entre as duas maiores potĂȘncias econĂŽmicas atuais subiu bastante desde que Donald Trump assumiu a presidĂȘncia dos Estados Unidos, em 2017. O republicano chegou a sobretaxar diversos produtos chineses, uma de suas promessas de campanha. Pequim, claro, respondeu.

O movimento das duas naçÔes é de ameaça e diålogo. As mais recentes brigas estão no campo da tecnologia. Trump acusa a rede social TikTok (que tem mais de 800 milhÔes de usuårios pelo planeta e é uma febre entre jovens) de guardar indevidamente dados das pessoas e ser uma ferramenta de espionagem de Pequim.

O presidente americano chegou a ameaçar que poderia banir o TikTok dos Estados Unidos caso a empresa não fosse vendida para alguma americana. A Microsoft tem bastante interesse em adquirir a ferramenta.

Outra questĂŁo Ă© a rede 5G. A chinesa Huawei Ă© uma das lĂ­deres mundial dessa tecnologia, mas Trump novamente gritou. Pregou o boicote Ă  empresa asiĂĄtica e paĂ­ses como CanadĂĄ e Reino Unido jĂĄ desistiram de fazer negĂłcio com a China nesse campo.

E como fica o Brasil nessa histĂłria, lembrando que China e Estados Unidos sĂŁo os dois maiores parceiros comerciais de nosso paĂ­s?

"Acredito que corremos todos os riscos, inclusive de guerras não apenas no ùmbito do comércio, com medidas protecionistas dos dois lados. Poucos perceberam, os atuais líderes de China [Xi Jinping] e dos Estados Unidos querem exatamente a mesma coisa: ver os seus países grandes novamente. Até o momento, o embate ficou restrito à retórica e a interesses comerciais. As disputas entre Estados Unidos e China vieram para ficar", analisa Sidney Ferreira Leite, professor de RelaçÔes Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco.

JĂĄ para Arnaldo Francisco Cardoso, professor de RelaçÔes Internacionais do Mackenzie, o alinhamento automĂĄtico do Brasil com os Estados Unidos, como vem acontecendo no governo de Jair Bolsonaro, pode ser prejudicial. "Pragmaticamente, interessa ao Brasil manter suas relaçÔes com as duas potĂȘncias extraindo da conjuntura as melhores oportunidades para o paĂ­s. Portanto, o alinhamento automĂĄtico com uma ou outra potĂȘncia Ă© um erro, nĂŁo corresponde aos interesses nacionais e a histĂłria das relaçÔes exteriores do Brasil endossam essa avaliação", argumenta.

Um agravamento da crise entre EUA e China pode fazer com que o Itamaraty revise suas políticas. "Na pråtica, hå um distanciamento entre uma retórica de política externa anacrÎnica que, todavia, é permeåvel às pressÔes e grupos de interesses, como do agronegócio. Acredito que os rompantes ideológicos ficarão restritos a contextos cada vez mais específicos. A visão mais pragmåtica irå prevalecer. Caso contrårio, o país não aproveitarå as janelas de oportunidades que irão surgir quando a atual pandemia arrefecer", pondera o professor da Rio Branco.

"Observando a atual deterioração das relaçÔes exteriores do Brasil com alguns de seus tradicionais parceiros, como Argentina, França, Alemanha e a perda de prestígio da diplomacia brasileira em diversas organizaçÔes internacionais, são sinais inequívocos da necessidade de mudança da orientação do país na arena internacional", diz Cardoso.

Novas alianças

A diplomacia brasileira, historicamente, sempre foi considerada "independente", apesar de nos governos do PT ser acusada de alinhamento com regimes ditatoriais ou autoritĂĄrios, como Cuba, Venezuela, LĂ­bia e outras naçÔes africanas. Sob o comando de Ernesto AraĂșjo, o Itamaraty de Bolsonaro Ă© criticado por se alinhar "automaticamente" a Washington, mesmo que nĂŁo tenha contrapartidas garantidas.

"O Brasil vem perdendo força no Ăąmbito internacional. A crise da dĂ­vida externa foi muito ruim para a imagem do Brasil (governo Sarney). Durante os governos de Itamar Franco, Fernando Henrique e, o primeiro governo Lula, houve uma melhora em nossa imagem no exterior. PorĂ©m, os escĂąndalos de corrupção e, mais recentemente, a intensificação das queimadas na AmazĂŽnia trouxeram aspectos muito negativos para a visĂŁo do paĂ­s no exterior”, avalia o professor da Rio Branco.

“A imagem externa Ă© algo que se constrĂłi com o tempo e mediante açÔes efetivas. Assim, penso que nos prĂłximos anos devemos aprofundar nossa inserção nos desafios do sĂ©culo XXI, especialmente o da sustentabilidade e do enfrentamento das desigualdades de todas as ordens", analisa Ferreira Leite.

Para Cardoso, o Brasil deve, o quanto antes, diversificar seus parceiros comerciais para sair da dependĂȘncia de EUA e China. "Esse processo Ă© o melhor caminho para o Brasil, tanto para a promoção de seus interesses comerciais quanto para a projeção de sua tradicional imagem de paĂ­s pacĂ­fico e defensor do diĂĄlogo. A AmĂ©rica Latina Ă© um espaço preferencial para as relaçÔes exteriores do Brasil e sĂŁo muitos os campos para ampliação e aprofundamento dessa polĂ­tica”, diz.

“HĂĄ tambĂ©m inĂșmeras possibilidades de incremento de relaçÔes com a UniĂŁo Europeia. PorĂ©m, depois de vinte anos de negociaçÔes para o estabelecimento de um Acordo de Livre ComĂ©rcio com esse bloco que reĂșne vinte e sete paĂ­ses e uma população superior a 500 milhĂ”es de habitantes, hĂĄ sĂ©rios riscos para a ratificação do Acordo em função da conduta do atual governo brasileiro, especialmente em temas ambientais", explica o docente do Mackenzie.

EleiçÔes nos EUA

O presidente Jair Bolsonaro, notĂłrio apoiador de Donald Trump, jĂĄ disse que se o rival democrata Joe Biden vencer o pleito de novembro, "o Brasil vai ter que se virar por aqui".

"A eleição do democrata nĂŁo irĂĄ alterar os objetivos mais imediatos dos Estados Unidos: enfrentar a sua perda de poder e influĂȘncia internacional e pelo menos diminuir a velocidade que a sua economia vem perdendo espaço, principalmente para a China. O que mudarĂĄ Ă© o estilo. Biden Ă© mais moderado e menos impulsivo, caracterĂ­sticas que poderĂŁo trazer mais equilĂ­brio para o sistema internacional”, pontua Sidney.

“Nessa perspectiva, a narrativa de um mundo dividido entre o bem e o mal perderĂĄ força. Fato que colocarĂĄ tanto para o ambiente internacional, como para a nossa polĂ­tica externa, em uma trilha mais coerente com os desafios contemporĂąneos. Afinal, nĂŁo estamos na Idade MĂ©dia", ironiza o professor de RelaçÔes Internacionais das Faculdades Integradas Rio Branco.

"Uma vitĂłria de Joe Biden colocarĂĄ por terra a orientação do Itamaraty sob gestĂŁo de Ernesto AraĂșjo, que impĂŽs Ă  diplomacia brasileira uma polĂ­tica de apoio personalĂ­stico a Donald Trump. Biden Ă© um experiente observador da polĂ­tica internacional que, durante o governo de Barack Obama, foi um assĂ­duo conselheiro de polĂ­tica externa do presidente [Biden foi vice de Obama nos oito anos de governo do democrata]”, analisa Cardoso.

“Kamala Harris, candidata a vice-presidente, fez duras crĂ­ticas no Senado ao governo brasileiro pelo desmatamento e incĂȘndios na AmazĂŽnia. Temas sensĂ­veis como o da preservação ambiental, da cooperação internacional em agendas de defesa dos direitos humanos, tecnologias digitais e proteção de dados, sĂŁo campos em que o Brasil precisarĂĄ dar claros sinais de seu posicionamento”, argumenta o especialista.

“Diante de uma ordem polĂ­tica internacional em xeque e dos graves impactos da atual pandemia sobre as naçÔes de todo o mundo, com destaque para Brasil e Estados Unidos que lideram os rankings de casos e mortes, uma renovação de lideranças e retomada de esforços para o aprofundamento da democracia e da cooperação internacional serĂŁo fatores potencialmente benĂ©ficos aos dois maiores paĂ­ses do HemisfĂ©rio Americano", conclui Arnaldo Francisco Cardoso, professor de RelaçÔes Internacionais do Mackenzie.

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