Governo federal pagou R$ 384 bilhões a pensionistas desde 1994
Por Taís Seibt e Maria Vitória Ramos
Entre janeiro de 1994 e maio de 2020, o pagamento de pensões a civis custou R$ 384 bilhões líquidos aos cofres públicos, segundo levantamento exclusivo feito pela agência Fiquem Sabendo, com apoio técnico de Fernando Barbalho e Brasil.io. Ao longo dos 26 anos e quatro meses foram realizados 94 milhões de pagamentos a parentes de servidores.
A maior parte das pensões foi paga a viúvas (43 milhões de pagamentos) e filhas solteiras de servidores públicos civis (24 milhões de pensões pagas). Os valores pagos somente a mulheres viúvas somam R$ 213,5 bilhões, 55% do total gasto no período. Homens viúvos somam pouco mais de R$ 10 bilhões em benefícios pagos. Também netos, irmãos, sobrinhos, enteados e tutelados de servidores, além de companheiros, pais e filhos estão na lista de beneficiários de pensões do governo federal.
Existem pensões iniciadas há mais de 120 anos, mas o governo não publicava os dados dos pagamentos. Com a vitória da agência Fiquem Sabendo perante o Tribunal de Contas da União (TCU) em 2019, em uma disputa que durou mais de três anos, o Ministério da Economia foi obrigado a publicar os pagamentos a pensionistas.
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A agência revelou, em primeira mão, na newsletter Don't LAI to me, a base publicada em janeiro, que continha as pensões pagas nos dois últimos meses de 2019. Agora, com a série histórica publicada pela Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal (SGP), estão disponíveis para consulta 26 anos e quatro meses de pagamentos realizados.
De acordo com o advogado Bruno Morassutti, cofundador da Fiquem Sabendo, a divulgação dos dados permite analisar de forma mais qualitativa os gastos públicos. “Com esse detalhamento, temos melhores condições de compreender o impacto dessa despesa na folha de pagamento do Executivo federal e discutir como chegamos a esse modelo”, observa Morassutti, lembrando que o processo de abertura dos dados se iniciou em meio a discussões sobre a Reforma da Previdência.
A maior parte dos Estados, além do Poder Judiciário, Poder Legislativo, Ministério Público União e Tribunal de Contas da União já divulgava essas informações ativamente, ao contrário do Poder Executivo federal, que tem a maior folha de pagamento entre os entes públicos.
Filhas de servidores recebem mais de R$ 90 bilhões
A legislação que embasa a concessão da maior parte das pensões pagas pela União é a Lei nº 8112/90, mas é principalmente na Lei nº 3.373/58 que se sustenta o direito de filhas de servidores receberem pensão do governo federal. De acordo com a norma, filhas solteiras maiores de 21 anos só perdem o benefício temporário se ocuparem cargo público permanente. Mulheres nessa situação respondem por R$ 67 bilhões em pensões pagas pelo governo desde 1994. Já filhos ou enteados homens têm direito a pensão temporária somente até os 21 anos, exceto em casos de invalidez, de acordo com a mesma legislação.
Mas há também filhas casadas, desquitadas, separadas judicialmente ou divorciadas entre as beneficiárias de pensões, elevando o valor pago a cerca de R$ 90 bilhões. São casos em que decisões judiciais estenderam a elas o mesmo direito das filhas solteiras, por terem comprovado dependência econômica do servidor público falecido.
Fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, o economista Gil Castello Branco tem uma visão crítica sobre o benefício. “É uma legislação ultrapassada, da época em que mulheres e filhas eram dependentes economicamente”, resume.
No total, filhas e filhos de servidores receberam mais de R$ 102 bilhões do governo federal em 26 anos, considerando herdeiros de ambos os sexos, maiores e menores de 21 anos, inclusive inválidos.
Maiores pagadores de pensão
Os órgãos que mais pagaram pensões desde 1994 foram Ministério dos Transportes (16,9 milhões de pagamentos), Ministério da Saúde (10,2 milhões) e Ministério da Fazenda (8,7 milhões) - a nomenclatura na base está desatualizada.
Em todo o período, as pensões foram geradas por 535 mil servidores instituidores distintos. Entre os principais cargos que levaram à instituição de pensões a familiares dos servidores, estão agentes administrativos (8,3 milhões de pagamentos) e agentes de portaria (6,4 milhões), seguidos de motoristas oficiais e artífices de mecânica, ambos com 3,4 milhões de pagamentos.
Dados de militares não foram publicados
No Acórdão 2154/2019, no qual o Tribunal de Contas da União (TCU) acatou por unanimidade a denúncia da Fiquem Sabendo, foi determinada a publicação de todos os pagamentos realizados pelo governo federal. Entretanto, apenas os pagamentos a civis e militares de ex-territórios foram disponibilizados.
Dez meses após a decisão do tribunal, ainda não é possível acessar os pagamentos feitos aos parentes de militares vinculados ao Ministério da Defesa (MD). Em resposta via Lei de Acesso à informação para a Fiquem Sabendo, a Controladoria-Geral da União (CGU) afirmou que os dados serão publicados no Portal da Transparência em agosto - anteriormente, o prazo anunciado era o "primeiro semestre de 2020".
Também não são acessíveis os pagamentos realizados a parentes de servidores do Banco Central (Bacen) e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Com relação à Abin o Ministério da Economia afirma que os dados são protegidos por sigilo; já no caso do Bacen, o último cronograma enviado pela CGU sinalizava que os dados já foram enviados para serem incluídos no portal.
A denúncia da Fiquem Sabendo ao TCU visava ainda a abertura de dados sobre pagamentos a aposentados inativos, que foram publicados em outra base no Portal de Dados Abertos.
Inconsistências na base de dados
O grupo de técnicos e jornalistas envolvidos na força-tarefa coordenada pela Fiquem Sabendo para analisar os dados disponibilizados pelo Ministério da Economia encontrou inconsistências na base, que incluem pagamentos únicos acima de R$ 1 milhão e entradas com dados incompletos (células vazias).
Os erros foram organizados em planilhas e submetidos à revisão do ME, a fim de identificar se os problemas constavam no sistema usado pelo governo para gerir pagamentos - o SIAPE - ou apenas na base exportada para o Portal de Dados Abertos pelo SERPRO, empresa que faz a gestão dos dados públicos. Também uma planilha com pagamentos únicos acima de R$ 100 mil desconsiderando anistiados, para os quais não há teto de pagamentos, foi submetida aos técnicos do órgão para revisão.
De acordo com os técnicos da Secretaria de Gestão de Pessoas (SGP), dos 41 casos de pagamentos únicos acima de R$ 1 milhão encontrados, 27 foram lançados de forma equivocada pelo próprio sistema e estarão corrigidos em uma nova base ainda a ser gerada pelo SERPRO. Outros 12 casos foram corrigidos manualmente pelo RH do órgão pagador e “serão objeto de correção mais a frente, pois dependem de confirmações dos RHs”. Duas beneficiárias vinculadas a anistiados receberam mesmo pagamentos únicos de aproximadamente R$ 1,3 milhão em 2014 e em 2018 (valores não atualizados).
Os 1,2 mil casos de pagamentos únicos acima de R$ 100 mil encontrados pela Fiquem Sabendo ainda estão sob avaliação da equipe técnica da SGP. A agência identificou ainda milhares de entradas com informações incompletas. Felizmente, as ausências não afetam variáveis fundamentais, como beneficiário, instituidor e valor dos pagamentos. Entretanto, faltam 2,6 milhões de registros de tipo de pensão; mais de 2 milhões de datas de início do benefício sem preenchimento; 500 mil células sem CPF do beneficiário, entre outros. Essas informações serão alvo de revisão pelo ME no próximo mês.
Para navegar na base de dados completa e fazer consultas com os valores monetários corrigidos, use o aplicativo desenvolvido por Fernando Barbalho. Os bastidores da obtenção e estruturação dos dados, bem como orientações para uso e citação das informações estão detalhados na edição desta segunda-feira (27) da newsletter Don’t LAI to me, da Fiquem Sabendo.
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