História de desastres naturais é um filme que se repete há anos no Brasil
A história dos desastres “naturais” no Brasil parece a história de um filme repetido.
Parece, e é.
Muitas vezes o que muda é apenas o endereço.
Há poucos dias, as vítimas das chuvas na região serrana de 2022, no Rio, relataram que pouco ou nada avançou na reconstrução de suas antigas habitações.
Relatos semelhantes se repetem em áreas castigadas nos últimos anos em Minas Gerais, no Sul e no Nordeste, onde os alertas tendem a se intensificar nos próximos meses.
Como sempre, as populações mais pobres, que vivem em áreas mais vulneráveis, geralmente localizadas em encostas, são as vítimas preferenciais. É lá que se concentram a maior parte das vítimas fatais e desabrigados no litoral norte, sobretudo em São Sebastião.
Turistas e moradores da região se queixam da falta de alerta sobre o desastre iminente desde a semana passada.
Em época de alta temporada, como o carnaval, é necessário questionar o poder público sobre por que não foram tomadas medidas para tirar as pessoas das áreas de risco. E por que mantiveram a programação do feriado mesmo sabendo-se que viajar para a região significava trafegar em perigo.
Muitos dos que viajaram para as praias de Ubatuba e São Sebastião não tem como voltar para suas casas na capital ou no interior.
Só em Ubatuba, município com menos de 100 mil habitantes, a população flutuante em feriados como Carnaval e Réveillon chega a 800 mil pessoas.
É gente que hoje relata problemas de abastecimento de água, luz e, claro, conexão para internet.
Muitos só tiveram dimensão de que o entorno havia sido destruído quando voltaram a receber notícias pelo celular.
Acessar supermercados e pagar as compras com cartão de crédito também são tarefas inviabilizadas nesses dias. Quase não há estrutura sobre a lama.
A situação levou o governo de São Paulo a preparar saídas marítimas para quem hoje se encontra ilhado.
Muitos terão de deixar para trás automóveis e outros pertences.
Quem tem condições de sair de lá por via aérea já o fez.
A chuva, como o céu, é para todos, mas uns são mais iguais que outros ao procurar lugares seguros.
Todos os anos é preciso lembrar que faltam recursos para a população diante de tragédias como as do litoral norte.
Não faltam só alertas. Faltam saídas, estrutura e treinamento mínimo sobre o que fazer diante do risco de enchentes e deslizamentos.
Uma reportagem do G1, com base em dados da ONG Transparência Brasil, mostrou que o orçamento federal previsto para gestão de riscos e desastres em 2023 é o menor em 14 anos.
O governo tem em caixa R$ 1,17 bilhão para investir, de janeiro até dezembro, em ações de prevenção, como a construção de obras para drenagens e contenção de encostas, e emergências.
A situação poderia ser ainda pior. Estavam previstos para este ano pouco mais de R$ 670 milhões. O valor só subiu porque o governo até então recém-eleito bateu o pé e obteve mais recursos via PEC da Transição.
Os decretos de reconhecimento da calamidade devem acelerar o acesso a recursos para as obras emergenciais que a situação existe. Mas precisou acontecer uma tragédia para que a solução fosse tomada.
Que as tristes imagens das buscas por desaparecidos nas chuvas sirvam de alerta para os próximos verões: enquanto a ideia de prevenção não for levada a sério no país, a única certeza é que o mesmo filme será assistido novamente no ano que vem. E no outro. E no outro.