Holofotes na CPI da Pandemia ofuscam crise aguda na Educação
Saúde e educação são temas recorrentes da preocupação de brasileiros em qualquer pesquisa de percepção. São também as palavras-chave das promessas de candidatos em ano eleitoral.
Pela ótica imediatista, saúde é um tema do presente e educação, do futuro.
Erros na condução de políticas públicas relacionadas à saúde provoca estragos imediatos. Como na pandemia do coronavírus, que em um pouco mais de um ano matou mais de 400 mil brasileiros. Filas e escassez em hospitais são a parte visível dessa história.
No segundo tema, o assoreamento do terreno provoca fissuras e transbordamentos muitos anos depois.
A noção de urgência relacionada aos dois campos precisa ser revista.
Fosse tema de planejamento a longo prazo, com noções de atendimento básico, acompanhamento e diagnósticos preventivos, a saúde não seria vítima de colapso de abordagens equivocadas visando tratamento apenas da doença, nunca a manutenção do bem-estar.
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Na outra ponta, a falta de urgência dos debates sobre políticas educacionais, marcada pela falsa sensação de que há muito tempo para perder, errar e corrigir os erros, impede que o assunto seja tratado com a atenção que merece —e já.
Em uma de suas primeiras viagens internacionais após tomar posse como presidente, durante uma reunião com representantes do pensamento conservador nos EUA, Jair Bolsonaro afirmou que, antes de construir alguma coisa em seu país, havia muito a ser destruído. Não se pode dizer que não foi bem-sucedido.
Na saúde os estragos são evidentes. Desde o início da pandemia, quatro ministros já passaram pela pasta. Eles começam a ser ouvidos nesta terça-feira 4 pelos senadores que compõem a CPI da Pandemia. O atual titular e seus antecessores têm muito a dizer.
Na educação, o assoreamento da era Bolsonaro ainda levará anos para ser percebido. Alguns sinais de fissura já começam a aparecer.
Um exemplo é a crise, mal alardeada, no Inep, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, responsável pela organização do Enem. Recentemente, o ex-presidente do órgão, Alexandre Lopes, veio a público dizer, em entrevista ao jornal O Globo, que o atual ministro, Milton Ribeiro, foi “totalmente omisso” na organização do exame no ano passado, realizado no meio da pandemia e que registrou recorde de abstenção.
“Covarde” foi apenas um dos adjetivos para se referir ao antigo chefe. Segundo Lopes, o planejamento do Enem deste ano está bastante atrasado e corre o risco de ser adiado para 2022 por falta de recursos.
Cinco gestores já passaram pelo órgão desde que Bolsonaro tomou posse. Na semana passada, um manifesto assinado por sete ex-ministros da Educação diagnosticou que o Inep está “em perigo" e tem sido “gravemente enfraquecido". Isso, segundo os signatários, “coloca em risco políticas públicas cruciais para gestores educacionais, professores, alunos, familiares, além de governantes de todos os níveis”.
Na semana passada, após a exoneração da coordenadora-geral de avaliação dos cursos de graduação do Inep, Sueli Macedo Silveira, uma das pedagogas mais respeitadas do país, ao menos quatro funcionários do corpo técnico entregaram seus cargos.
Há outras rachaduras consideráveis no ministério.
Em março, Milton Ribeiro nomeou uma defensora do criacionismo ligada ao “Escola sem partido” para comandar o órgão responsável pela coordenação de materiais didáticos no MEC. Foi um aceno à ala ideológica do governo.
Pouco depois, causou revolta, e reação dos reitores de universidades como USP, Unesp e Unicamp, a escolha de Cláudia Masani Queda de Toledo para presidir a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), responsável por avaliar cursos de pós-graduação e divulgar produções científicas.
Os gestores criticaram a qualificação técnica de Toledo, que concluiu o doutorado em direito constitucional em uma universidade particular de Bauru da qual ela mesmo era reitora. Foi lá que o ministro se formou nos anos 1990.
Em 2021, o orçamento disponível para gastos discricionários do MEC será de R$ 8,9 bilhões — contra R$ 23,2 bilhões em 2018, um ano antes de Bolsonaro assumir. As contas foram levantadas pelo Globo. É por meio dessas verbas que o governo consegue investir em programas didáticos, bolsas e manutenção das instituições federais de ensino.
A conta do descaso pode não ser visível hoje, mas não demora tanto assim a chegar.
Quando chegar, talvez seja tarde para dar início à CPI da Deseducação e localizar os responsáveis pela destruição de gerações inteiras de estudantes e cabeças pensantes do país.