Bolsonaro com Covid-19: por que anúncio gera tanta desconfiança?
Jair Bolsonaro diz que testou positivo para coronavírus.
O “diz” aqui não é acessório.
Na segunda quinzena de março, quando voltou de viagem para os EUA, 23 pessoas de sua comitiva voltaram infectadas. Ele não.
A aparência do presidente nos encontros que manteve com apoiadores levantou suspeitas de que ele também estivesse contaminado e, irresponsavelmente, seguia promovendo aglomerações e boicotando os esforços pelo isolamento. Depois de idas e vindas, ele apresentou ao Supremo Tribunal Federal, em maio, laudos que atestavam que seus exames tiveram resultado negativo. Ambos foram feitos com codinomes.
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Desta vez o anúncio ocorreu de livre e espontânea vontade. Ele cancelou agendas, disse que não se sentia bem e pediu a apoiadores para manterem distância.
No dia seguinte afirmou, em entrevista, que o teste deu positivo, mas que tomou hidroxicloroquina e que se sentia “perfeitamente bem”.
O anúncio, feito no dia em que o filho Flávio prestou depoimento ao Ministério Público, foi rodeado de questionamentos, como pode ser visto nas redes sociais.
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Se antes havia quem desconfiasse do estado de saúde do presidente após a viagem aos EUA, agora muitos querem ver para crer no resultado dos exames por fontes independentes.
No fim de semana, Bolsonaro celebrou com o embaixador dos EUA, o filho Eduardo e alguns de seus ministros o Dia da Independência americana. Estava sem máscara e sem a distância recomendada em relação aos presentes. Naquele dia o Brasil estava perto de registrar 65 mil mortos.
Horas depois, ele relatou os primeiros sintomas.
No início da pandemia, Bolsonaro, assim como Donald Trump, chegou a anunciar a cloroquina e a hidroxicloroquina como solução para a doença que já ceifava milhares de vidas. O presidente defendia a tese de que muitas das vítimas não morriam de Covid-19, mas por problemas associados à doença.
Ele também criticava as medidas de isolamento social e apostava que os estragos na economia fariam mais vítimas do que o vírus.
A empolgação do presidente com a cloroquina o levou a perder dois ministros da Saúde em poucos dias. Levou também o Exército a estocar cerca de 1,8 milhão de comprimidos. Há quem diga que seja o suficiente para os próximos 18 anos.
A eficácia do medicamento nunca foi comprovada e até mesmo os EUA retiraram a autorização para o tratamento.
Em seu pronunciamento, Bolsonaro parecia tentar convencer os eleitores de que estava certo quando, lá atrás, alertou para o que chamou de histeria em torno de uma “gripezinha”. Pelo próprio exemplo, poderá defender que é possível levar uma vida normal após a infecção, mais ou menos como defende que aconteça em um país em quarentena.
A credibilidade das declarações do presidente chega minada após meses de desconfianças alimentadas por ele mesmo. Quem não tem problemas de memória vai se lembrar de quando ele disse que a situação do Brasil seria muito diferente da Itália e que a região norte do país passaria imune ao coronavírus por causa do uso da cloroquina no combate à malária.
A distância entre discurso oficial e realidade foi sentida por todo mundo que perdeu alguém na pandemia.
Na última pesquisa Datafolha, divulgada no fim de julho, 46% dos entrevistados disseram “nunca” confiar no presidente, enquanto 32% confiam só às vezes. Apenas 20% reafirmaram a confiança nas palavras do capitão.
Todos, grifo meu, agora estão convictos de que Bolsonaro contraiu o vírus. Mas não sabem quando.
A esta altura da pandemia, deveria soar estranho alguém se indagar se o presidente diz mesmo a verdade quando diz estar infectado. Afinal, o que ele ganharia se estivesse mentindo sobre um assunto tão sério como seu estado de saúde? Essa desconfiança, porém, não nasceu do nada: Bolsonaro queimou o que tinha de crédito ao longo da crise.
Não custa desejar que o presidente tenha uma pronta recuperação, siga as orientações dos médicos, respeite as medidas de isolamento e seja tratado com o respeito e a consideração que ele não demonstrou com os outros 1,6 milhão de infectados em seu país.