'Vitória' contra vacina e pólvora contra EUA: alguém ainda acha que Bolsonaro será domesticado?

Brazilian President Jair Bolsonaro gestures as he speaks during the launch of a program for the resumption of tourism, a sector severely affected by the new coronavirus outbreak, at Planalto Palace in Brasilia, on November 10, 2020. - Brazil's decision to halt trials of a Chinese-developed Covid-19 vaccine triggered a politically charged row Tuesday as a top health official expressed "indignation" and far-right President Jair Bolsonaro claimed the ruling as a personal victory. (Photo by EVARISTO SA / AFP) (Photo by EVARISTO SA/AFP via Getty Images)
O presidente Jair Bolsonaro. Foto: Evaristo Sá/AFP (via Getty Images)

Em um mesmo dia o presidente da República:

-anunciou que “venceu mais uma” após a Anvisa suspender os testes da vacina desenvolvida com a ajuda de seu rival, João Doria;

-celebrou em público o revés nas pesquisas que podem salvar as vidas de milhares de pessoas só para não dar o braço a torcer a um adversário político;

-confundiu a população ao dizer que a imunização poderia causar morte, invalidez e anomalia;

-constrangeu as autoridades competentes a virem a público explicar que a morte de um voluntário não tinha relação com a vacina; o voluntário havia se suicidado;

-voltou a minimizar os impactos do coronavírus no país dizendo que todo mundo vai morrer um dia;

-pediu que a pandemia que já matou mais de 160 mil brasileiros fosse enfrentada de peito aberto, seja lá o que isso significa, sob o risco de o país virar um logradouro de “maricas”;

-reclamou que sua vida no governo é um inferno e que não pode mais sair em paz para tomar um caldo de cana e comer pastel;

-rechaçou a capacidade dissuasiva da diplomacia de seu país diante de possíveis rusgas com parceiros comerciais;

-prometeu economizar saliva e usar pólvora, se preciso for, contra a maior potência econômica e militar do planeta caso o vencedor das últimas eleições siga dando pitaco nas questões relacionadas ao meio ambiente de seu país.

Convenhamos que o índice de aproveitamento para um dia só é notável, mesmo para o padrão bolsonarista.

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Com Bolsonaro na Presidência, o absurdo foi normalizado, inclusive por ele mesmo, que fala o que quer e depois pede desculpas sob o argumento de que se expressa apenas com o coração.

Mais grave do que o desequilíbrio, as ameaças e a insegurança é saber que a sequência tem como destino a vala comum de outros absurdos acumulados pelo presidente na vida pública e que não serão os primeiros nem os últimos a chocar e serem esquecidos no dia seguinte — a menos que alguma nota de repúdio postada no Twitter abale alguma sobrancelha além das de quem escreve.

Na melhor das hipóteses o caminho do país, com Bolsonaro à frente, é o descrédito. A ponto de bravatas e ameaças não merecerem sequer resposta à altura dos ameaçados.

Na pior, é o abismo regado a pólvora.

Se alguém estava esperando a linha da sanidade ser cruzada, é melhor olhar para trás. De binóculos. Dali em diante já não existem espectadores e espetáculo. Existem apenas os crimes e seus cúmplices. Está na hora de Bolsonaro tomar seu caldo de cana em paz.