"Pai das fake news" coloca Marina e Ciro em rota de colisão
Jair Bolsonaro comete crimes de lesa pátria e de lesa humanidade. Seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é uma fraude que opera o desmonte da política ambiental conquistada ao longo de décadas.
Luiz Inácio Lula da Silva desperdiçou a oportunidade histórica de pensar num projeto de país e se perdeu em um projeto de poder, assim como Dilma Rousseff.
Aécio Neves cometeu graves e imperdoáveis desvios éticos. João Doria é um ator orientado pela propaganda e se engana pensando que o povo vai tirar da memória marquetagens como o Bolsodoria.
Sergio Moro fez um grande desserviço ao combate à corrupção quando utilizou meios incompatíveis com a atuação de um juiz.
Da lista de nomes sobre os quais foi convidada a fazer uma breve descrição na entrevista de quinta-feira 29 ao Yahoo Brasil, a ex-ministra, ex-senadora e três vezes candidata à Presidência Marina Silva parece manter algum apreço ou esperança apenas em relação a Ciro Gomes. Mas, entre o céu e o inferno, o presidenciável declarado do PDT está hoje com um pé no purgatório da fundadora da Rede Sustentabilidade.
Durante a entrevista, ela foi questionada sobre o quanto a contratação do publicitário João Santana para capitanear a comunicação do PDT a afasta de um projeto que a coloque na mesma plataforma política do seu ex-colega de ministério em direção a 2022. A resposta diz tudo.
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"Em relação à contratação do João Santana pelo PDT, claro que eu não tenho aqui que falar aqui pelo PDT, pelo Ciro em relação às razões e motivações para essa contratação. O que eu posso dizer é que João Santana não contribui, no meu entendimento, ao debate político nos termos que eu defendo desde 2014", disse a senadora, que classificou o publicitário como “pai das fake news”. “Foi ele que, a pedido do PT, também não vamos nos esquecer, em 2014, inaugurou a lógica de projeto vitorioso com base na desconstrução, na mentira e na violência política.”
Convidada a fazer uma análise dos impasses do Brasil atual a partir de eventos que marcaram a última década, como as manifestações de junho de 2013, Marina mostrou, durante a entrevista, que a disputa do ano seguinte, quando teve chances reais de ser eleita presidente, se tornou uma espécie de pedra de Drummond para o projeto que tenta ainda hoje viabilizar por meio da Rede Sustentabilidade.
Na época, uma propaganda exibida pela campanha petista mostrava banqueiros se refastelando em uma reunião enquanto pratos de comida desapareciam da mesa de uma família brasileira. Segunda a propaganda dirigida por Santana, era isso o que aconteceria caso Marina fosse eleita naquele ano.
A peça provocou um divórcio irreconciliável entre a ex-senadora petista e os líderes do antigo partido. Ela declarou voto em Aécio Neves contra Dilma Rousseff no segundo turno de 2014. O mesmo Aécio que hoje diz ter cometido deslizes imperdoáveis.
Sete anos depois, ela observa a aproximação de Santana com Ciro Gomes com indisfarçada ojeriza.
A ex-senadora descreve Gomes como um homem inteligente diante de uma decisão de projeto de país que ainda pode reconectar a sociedade com “alternativas para mudar essa triste realidade”. “Ele tem inteligência suficiente para evitar o marketing selvagem e fazer o debate educativo que o Brasil precisa”.
O diagnóstico soa como aviso. E escancara as interdições para o fortalecimento de uma chamada terceira via eleitoral em uma disputa dualizada, pelas projeções iniciais, entre Lula e Bolsonaro.
Recentemente, Ciro foi signatário de uma carta assinada com outros cinco presidenciáveis em defesa da democracia. João Doria entre eles. O mesmo Doria que Marina vê como ator orientado pela marquetagem.
A articulação aprofunda o isolamento da ex-ministra em seu projeto baseado em alianças programáticas que conciliem economia e meio ambiente. Com ela fora de cena, é provável que pela primeira vez, desde 2010, as eleições presidenciais tenham largada sem a presença de uma mulher entre os protagonistas.
Em 2014, Marina recebeu 21% dos votos no primeiro turno disputando a eleição pelo PSB de Eduardo Campos, que morreu em um acidente aéreo antes do início da campanha. Quatro anos depois, já com seu próprio partido, Marina conquistou apenas 1% dos eleitores.
A ciência política ainda deve um estudo profundo sobre o que aconteceu entre uma disputa e outra. É preciso explicar como o desencanto e o apelo a uma chamada nova política, dos quais Marina era uma das principais representantes, descambaram em Bolsonaro, liderança com ideias que já eram velhas não em 2014, mas em 1988.
O derretimento entre uma eleição e outra explica porque, entre o apoio da Rede e a aliança com Santana, feita em meio a acenos com o PSDB, a decisão de Ciro parece tomada.
Na entrevista, Marina disse ser vítima de uma violência política contra mulheres que não é de agora e vem recrudescendo. Uma manifestação dessa violência acontece quando recebe em suas páginas mensagens de grupos à direita e à esquerda dizendo que ela está sumida e só aparece a cada quatro anos. Sumida? Só naquele dia ela disse ter participado de ao menos três lives ou entrevistas. “Isso não é dito sobre o Aécio, o (Aluizio) Mercadante ou outras lideranças masculinas. Mas é dito sobre uma mulher preta de origem humilde e que as pessoas se dão o direito de decretar que ela não existe, não fala, não pensa, não se movimenta. Essa violência se aprofunda e se amplia a cada dia.”
Segundo Marina, o que parecia ser o princípio de uma primavera em 2013 resultou em uma geada lançada pelas lideranças políticas da época. Uma geada que libertou recalques e descambou na vitória da extrema-direita em 2018.
A defesa de uma terceira via, feita por Marina, parece interditada de saída. Hoje os dois principais pré-candidatos para 2022 somam, juntos, cerca de 65% dos votos, segundo levantamento do DataPoder.