“Jogo machista ainda impera na política”, diz Áurea Carolina
A deputada federal Áurea Carolina (PSOL) diz que começou a fazer política quando se interessou pela cultura hip hop. Segundo ela, essa foi sua primeira escola de formação política e artística.
Depois disso, ela não parou mais e, depois de um trabalho árduo, ela foi eleita. “A minha eleição para deputada federal foi a confirmação de um trabalho coletivo desenvolvido com muita entrega”, afirmou em entrevista ao blog.
Segundo a deputada, existem algumas dificuldades que são enfrentadas pelas mulheres que entram na política. Ela afirma que existe uma cultura preconceituosa nos espaços de poder que não reconhece as mulheres como agentes públicas.
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Além disso, ela diz que as parlamentares precisam também enfrentar uma competição e uma lógica de aniquilação na política. Isso, segundo ela, faz com que não exista uma cooperação e um diálogo.
Durante duas semanas, o blog irá falar sobre as situações enfrentadas diariamente por mulheres que estão dentro da política. A série de matérias especiais começou nesta segunda-feira (5) e irá acabar dia 16 de agosto. A conversa com Áurea faz parte dela.
Leia a entrevista completa:
Me conte um pouco sobre sua trajetória na política.
Áurea Carolina: Na adolescência, eu comecei a despertar meu interesse pela arte, pela música e, com isso, eu fui chegando à cultura hip hop que foi a minha primeira escola de formação política e artística. A possibilidade de vivenciar, por meio do hip hop, o encontro das questões juvenis, das culturas periféricas, de gênero e étnico-raciais foi determinante para minha formação e atuação sociopolítica. Quando apresentei minha candidatura à vereadora, acreditava que era possível ganhar, mas, obviamente, não tinha ideia da grandeza do resultado.
Como chegou ao que é hoje?
Áurea: Foi um trabalho árduo, de mais de um ano de encontros, articulações, entendimentos e formulações. A votação expressiva que eu tive foi um sinal de que esse campo tem um potencial muito grande e de que podemos ir além, especialmente em uma conjuntura de golpe e desmonte das políticas sociais e das instituições democráticas. A minha eleição para deputada federal foi a confirmação de um trabalho coletivo desenvolvido com muita entrega. Na movimentação Muitas, dizemos que a nossa política é a do afeto, feita com muita paixão e com um compromisso real com as pessoas e as lutas populares.
Que tipo de política você defende?
Áurea: Eu defendo uma política de cooperação, de aprendizado, de construção coletiva, uma política que sirva para nos emancipar e não essa política em que alguns grupos controlam o jogo ou uma política que é distante da população, uma política que parece ser uma tarefa de alguns poucos. Eu acho que a política é uma tarefa cotidiana, é um dever de cidadania também e é um exercício que vale a pena, eu gosto de fazer política.
Para você, qual é o maior desafio da mulher que entra para a política?
Áurea: O jogo machista ainda impera na política. E, para nós mulheres, além de enfrentar essa cultura preconceituosa que não nos reconhece como agentes públicas em muitas situações, temos que enfrentar também uma competição, uma lógica de aniquilação na política em detrimento da cooperação, do diálogo, da convivência democrática. Há ainda no cenário político atual o ataque generalizado aos direitos humanos como se essa fosse uma pauta de grupos específicos. A desqualificação dos direitos humanos é intencional, para que as pessoas não compreendam a centralidade disso na construção da democracia.
Quais são os machismos que você sofre diariamente?
Áurea: Já sofri algumas vezes com comentários preconceituosos de colegas, com piadinhas sexistas, racistas e machistas.
Como esses machismos te atrapalham no trabalho?
Áurea: Nós mulheres enfrentamos problemas históricos seríssimos de não reconhecimento como pessoas capazes que devem ser respeitadas e que devem estar em condição de igualdade e isso é refletido nas mais diversas áreas, na saúde, na educação, no mundo do trabalho, na política.
Como você lida com esses machismos?
Áurea: Com meu engajamento político e a minha vivência junto com as lutas sociais. Estar em um espaço de poder me trouxe mais visibilidade e projeção, mas a vivência do ambiente da política institucional dá a verdadeira dimensão do quanto é um lugar exaustivo, patriarcal, machista e racista. O jogo não é feito para nós, não é feito por nós, não é feito para a gente permanecer nele. As ativistas e os movimentos nos dão força, sustentação e legitimidade para seguir com coragem nessa jornada.
Quais são as principais diferenças que você observa de uma mulher e de um homem na política?
Áurea: Somos diversas, não existe um padrão. Existem mulheres com orientações políticas muito diferentes. De qualquer forma, não tem como negar que, para as mulheres, é mais difícil e desafiador ocupar os espaços de poder.
Você incentiva outras mulheres a entrarem na política?
Áurea: Incentivo e reforço que a mobilização para que mais de nós ocupe o campo da política institucional deve começar nas nossas comunidades, nas escolas, nos espaços culturais, na mídia, para que as pessoas sejam cada vez mais expostas a imagens positivas de mulheres, pessoas negras, indígenas, LGBTI, exercendo essas funções na sociedade. O que costumo dizer é que nós estamos aí, ativas na luta desde sempre, resistindo mesmo que muitos espaços sejam praticamente fechados para a maioria de nós.
Por qual motivo é importante que as mulheres entrem mais na política?
Áurea: Na medida em que houver uma presença mais ativa das mulheres nos partidos, nos espaços de poder, e o compromisso das instituições com essa presença, avançaremos muito mais. Ocupar um espaço de poder é um desafio muito grande e a luta política deve acontecer em todos os lugares, inclusive nas instâncias decisórias do sistema. Mas não é uma agenda só das mulheres, precisa ser um compromisso da sociedade.