Juros nos EUA: como maior alta da taxa desde 1994 pode afetar o Brasil

DĂłlares e sĂ­mbolo do Federal Reserve
DĂłlares e sĂ­mbolo do Federal Reserve

O Fed (Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos) elevou nesta quarta-feira (15/6) os juros da economia americana em 0,75 ponto percentual, para a faixa de 1,5% a 1,75%.

Foi a maior alta desde 1994, numa tentativa de conter a inflação nos EUA, pressionada pelo aumento dos preços de combustĂ­veis e alimentos, como consequĂȘncia da guerra na UcrĂąnia e dos desarranjos logĂ­sticos provocados pelos lockdowns em resposta Ă  covid-19 na China.

ApĂłs o aumento dos juros, o presidente do Fed, Jerome Powell, sinalizou que a prĂłxima alta deve ser de 0,50 ou 0,75 ponto percentual, minimizando temores de que o prĂłximo ajuste pudesse ser ainda mais forte, de 1 ponto.

"Claramente, o aumento de 75 pontos base [0,75 ponto percentual] de hoje Ă© incomumente grande e nĂŁo espero que movimentos desse tamanho sejam comuns", disse Powell. "Da perspectiva de hoje, um aumento de 50 pontos base ou de 75 pontos base parece mais provĂĄvel em nossa prĂłxima reuniĂŁo."

Com isso, o dólar passou a cair em relação ao real, diante do alívio dos investidores, que acreditavam que o ajuste monetårio nos EUA poderia ser ainda mais duro.

Nesta quarta-feira (15/06), o ComitĂȘ de PolĂ­tica MonetĂĄria (Copom) do Banco Central brasileiro elevou, por unanimidade, a taxa bĂĄsica de juros no paĂ­s em 0,5 ponto percentual. Com isso, a Selic passou para 13,25% ao ano.

A alta de juros nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos aponta para uma desaceleração da economia mundial à frente.

Isso porque, quando os juros sobem, fica mais caro para empresas e famílias tomar empréstimos, o que diminui a atividade econÎmica. Além disso, investidores tiram recursos de países em desenvolvimento rumo aos países ricos, considerados mais seguros.

O presidente do Fed, Jeremy Powell (Ă  esq.), em reuniĂŁo com o presidente dos EUA, Joe Biden, e a secretĂĄria do Tesouro, Janet Yellen
O presidente do Fed, Jeremy Powell (Ă  esq.), em reuniĂŁo com o presidente dos EUA, Joe Biden, e a secretĂĄria do Tesouro, Janet Yellen

Para o Brasil isso deve ter dois efeitos principais: por um lado, a desaceleração da economia mundial reduz a demanda por bens e serviços, e pode reduzir as exportaçÔes brasileiras.

Por outro lado, a redução da atividade global pode ajudar a conter a inflação no Brasil, num momento em que as expectativas para os preços pioram diante das pressĂ”es sobre as contas pĂșblicas com medidas adotadas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em ano de eleição.

Quanto ao que vai ser do dĂłlar, os economistas estĂŁo divididos.

HĂĄ quem aposte que a moeda americana encerre o ano acima de R$ 5, jĂĄ que a alta de juros nos EUA faz com que recursos saiam do Brasil rumo aos papeis do Tesouro americano.

Mas hĂĄ tambĂ©m quem acredite que haja espaço para o dĂłlar abaixo dos R$ 5, diante do anĂșncio mais brando de Powell sobre os rumos da polĂ­tica monetĂĄria americana.

Quem acha que o dĂłlar vai se manter acima de R$ 5

"Olhando para a frente, num cenĂĄrio em que o Fed vai continuar subindo juros ainda e que hĂĄ muita incerteza quanto ao ponto final dessa alta — acredito que serĂĄ mais prĂłximo de 3,5% a 4% — vamos ver repercussĂ”es no cĂąmbio", diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

"Para piorar nossa situação, temos um ciclo fiscal complicado na economia brasileira e um ciclo polĂ­tico-eleitoral bastante tenso para o segundo semestre. Juntando esses trĂȘs elementos, chegamos ao cĂąmbio acima de R$ 5 que esperamos ao fim do ano."

Vale projeta o dólar a R$ 5,30 ao fim de 2022. A moeda americana chegou perto de R$ 4,60 em meados de abril, diante da forte valorização das commodities em meio à guerra na Ucrùnia, que atraiu recursos estrangeiros ao Brasil.

A valorização do real perdeu força, no entanto, diante dos sinais negativos para a inflação mundial e de decisĂ”es do governo federal, como o pacote para redução de impostos sobre combustĂ­veis, entendidas pelo mercado como de alto impacto potencial sobre as contas pĂșblicas. Com isso, o dĂłlar voltou nos Ășltimos dias ao patamar acima de R$ 5.

"Quando o Fed sobe os juros, hĂĄ uma entrada de capitais nos Estados Unidos para se beneficiar desses juros maiores", explica Vale. "Por mais que os juros lĂĄ sejam bem menores do que aqui, Ă© um paĂ­s muito mais confiĂĄvel. Assim, a alta de juros leva a uma saĂ­da de recursos de paĂ­ses emergentes para o mercado americano."

O economista da MB Associados explica que o grande temor com a alta de juros nos EUA é que a economia americana caminhe para uma recessão, o que desaceleraria todo o resto do mundo, incluindo o Brasil, através do canal das exportaçÔes.

E quem nĂŁo vĂȘ o dĂłlar acima de R$ 5

Na contramĂŁo, Flavio Serrano, economista-chefe da Greenbay Investimentos, nĂŁo acredita no dĂłlar acima de R$ 5 ao fim deste ano.

"O discurso de Powell foi um pouco mais tranquilizador, a despeito de alta de 0,75 desta quarta-feira, porque tirou o fantasma de uma alta de 100 pontos [1 ponto percentual] no curto prazo", diz Serrano. "Com isso, a bolsa americana subiu e as moedas em geral passaram a performar muito bem contra o dĂłlar americano, aqui nĂŁo foi diferente."

Serrano vĂȘ o dĂłlar entre R$ 4,80 e R$ 5 no fim de 2022.

"Hå um potencial de menor crescimento global, gerando menor pressão de preços. Isso pode facilitar o trabalho do Banco Central brasileiro no combate à inflação."

*Este texto foi originalmente publicado na BBC News Brasil.

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