Lojistas de shopping migram para a rua em busca de custos menores
BRASĂLIA, DF (FOLHAPRESS) - Um lojista do Shopping Center Norte, na zona norte da capital paulista, levou um susto ao receber este mĂȘs o boleto com a cobrança do aluguel, condomĂnio e fundo de promoção: R$ 115 mil. Detalhe: a loja dele tem apenas 50 mÂČ. O aluguel de um espaço comercial de 100 mÂČ nas imediaçÔes, na rua, custaria R$ 12 mil. Essa comparação entre o custo do shopping e o custo da rua entrou de vez nas contas dos lojistas e parte deles tem migrado para os espaços abertos.
"O boleto de janeiro chega com a cobrança do 13Âș aluguel, sobre vendas de Natal que simplesmente nĂŁo aconteceram ou pelo menos deixaram muito a desejar", diz Mauro Francis, presidente da Ablos - Associação Brasileira dos Lojistas SatĂ©lites, que representa lojas de atĂ© 200 mÂČ instaladas em shopping centers.
As satélites são lojas menores do que as ùncoras, que costumam ser o chamariz dos empreendimentos. As cerca de 100 redes associadas à Ablos somavam quase 6.000 pontos antes da pandemia. Agora são 3.500.
Se em um primeiro momento da pandemia, em 2020, com os shoppings fechados, as administradoras seguraram o reajuste anual e deram descontos sobre o aluguel, agora a realidade mudou. O reajuste pelo IGP-M estĂĄ sendo repassado na sua integralidade, de acordo com o vencimento de cada contrato. "Dependendo da data-base, o reajuste acumulado em dois anos supera os 45%", afirma Francis.
Como resultado de uma negociação cada vez mais dura com as administradoras, parte dos donos de lojas satĂ©lites tĂȘm migrado dos shopping centers para as ruas, muitas vezes nas prĂłprias imediaçÔes do antigo empreendimento, para aproveitar a clientela. Ă o caso da varejista de moda MOB, da franquia de podologia Doctor Feet e da rede de moda festa MarĂlia Marques. A varejista de acessĂłrios Morana analisa caso a caso, mas tem interesse em aumentar o seu mix com lojas de rua.
Dona de 36 lojas em nove estados do paĂs, a MOB fechou nove em shoppings durante a pandemia e abriu cinco lojas de rua. Uma delas Ă© a da rua Indiana, no Brooklin, zona sul de SĂŁo Paulo, nas proximidades do shopping Morumbi, onde uma unidade foi fechada.
Para Ăngelo Campos, sĂłcio da MOB, a gota d'ĂĄgua para deixar o empreendimento foi a cobrança de dois IGPM-s seguidos, que juntos somaram um reajuste de 47% sobre o aluguel de 2019.
"O custo de ocupação em uma loja de rua Ă© pelo menos cinco vezes menor que a do shopping", afirma. No custo de ocupação de um shopping entram aluguel, condomĂnio e fundo de promoção. "Esta soma precisa ser equivalente a no mĂĄximo 15% das vendas totais. Quando passa de 20% fica inviĂĄvel".
Segundo Campos, a questão da segurança como ponto alto dos shoppings jå não é mais uma realidade. "Vemos shoppings serem assaltados, enquanto na rua, dependendo do bairro, a operação é segura", diz. "Por outro lado, em uma loja de rua existe mais proximidade com o consumidor, a cliente pode tomar um prosecco com a gerente, por exemplo".
Outros atributos vinculados aos shopping centers, como a oferta de conveniĂȘncia e o estĂmulo para a compra por impulso, perderam fĂŽlego durante a pandemia. As vendas online, em especial pelas redes sociais, ocuparam em boa parte este espaço.
Ao mesmo tempo, os cinemas, grande Ăąncora dos shoppings, nĂŁo recuperaram o pĂșblico observado antes da Covid-19. Uma parte importante dos espectadores se acostumou Ă s telas domĂ©sticas, consumindo serviços de streaming, como Netflix.
Um sinalizador da saĂșde dos empreendimentos sĂŁo as vendas de Natal, a data mais importante do ano para o varejo. De acordo com a Abrasce - Associação Brasileira de Shopping Centers, as vendas de 19 a 25 de dezembro cresceram 10,7% nos shopping centers, atingindo R$ 5,3 bilhĂ”es. Descontada a inflação pelo IPCA, que no acumulado de 2021 foi 10,06%, houve empate. Para a Abrasce, o resultado tem a ver com o cenĂĄrio macroeconĂŽmico, de inflação e desemprego, que tornam mais apertado o orçamento das famĂlias.
"Meu faturamento no Natal de 2021 foi 15% menor que o de 2019, ninguĂ©m vai duas vezes ao podĂłlogo sĂł porque Ă© dezembro", diz Jonas Bechelli, presidente da Doctor Feet, especialista em cuidados para os pĂ©s, referindo-se Ă prĂĄtica da cobrança do 13Âș aluguel pelos shoppings, para abocanhar as vendas de Natal.
"Com a digitalização das vendas, este tipo de cobrança nĂŁo faz mais sentido", ressalta Francis, da Ablos. Todas as vendas dos lojistas sĂŁo acompanhadas por um software instalado pelas administradoras no caixa. Segundo ele, a cobrança do aluguel Ă© por um percentual das vendas, com um valor mĂnimo garantido em contrato (este valor Ă© corrigido pelo IGP-M).
"Os shoppings precisam saber que a realidade mudou: aquela remuneração que eles tinham antes nĂŁo corresponde mais Ă realidade dos lojistas", diz Francis, cuja famĂlia Ă© dona da rede de lojas de roupas para festa MarĂlia Marques. Das 24 lojas de 2019, 18 foram fechadas durante a pandemia, todas em shoppings. Uma foi aberta na rua.
"EstĂĄ ficando insustentĂĄvel ficar nos shoppings, em algumas lojas o reajuste dos Ășltimos dois anos atingiu 38%. Estamos fazendo tração para ir para as ruas, nĂŁo vai restar alternativa", afirma Bechelli, da Doctor Feet, que analisa a possibilidade de migrar para os strip malls - um modelo de negĂłcio que reĂșne lojas a cĂ©u aberto, com estacionamento gratuito, nos moldes de um outlet, mas de menor porte.
Com cerca de 80 lojas em 11 estados e no Distrito Federal, a maioria em shopping centers, a Doctor Feet fechou 10 pontos nos empreendimentos durante a pandemia. "Os shoppings tĂȘm se mostrado muito inflexĂveis, a negociação tem sido muito exaustiva, de cada lojista com cada empreendimento. Temos que pedir bĂȘnção para sobreviver", diz Bechelli.
Jå a rede de acessórios Morana, dona de 278 lojas, só migrou uma loja de shopping para rua até agora. "Não é uma manobra simples", diz Danilo Assumpção, gestor executivo do grupo Ornatus, dono da Morana. "A vontade existe, mas é preciso esperar o fim do contrato de cinco anos com o shopping ou repassar o ponto, para não ter que pagar a multa, que é muito alta", diz ele, ressaltando que também não é fåcil encontrar bons pontos a céu aberto.
Do total da rede, 85% das lojas estĂŁo em shoppings. Em parte dos empreendimentos, a Morana entrou com açÔes revisionais de contrato, questionando o alto reajuste dos aluguĂ©is. "Muitas lojas sĂł voltaram ao faturamento de 2019 no Ășltimo trimestre de 2021", diz Assumpção. "Como vou operar com faturamento de 2019 frente aos custos de 2022?".