Lula disse o óbvio ao apontar falha da inteligência em 8 de janeiro. Tensão por quê?
Quem acompanhou a repercussão da entrevista de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a jornalista Natuza Nery, da GloboNews, a primeira exclusiva desde que tomou posse, antes de assistir à íntegra da conversa, certamente imaginou que o presidente acabara de declarar guerra contra as forças de segurança no país.
Mal a entrevista foi ao ar e já tinha gente dizendo que o entrevistado havia tencionado ainda mais o ambiente com as Forças Armadas.
Com base em quê?
Na entrevista, Lula falou o óbvio: a inteligência do Gabinete de Segurança Institucional, da Agência Brasileira de Inteligência, do Exército, da Marinha e da Aeronáutica falhou ao não informar sobre a aproximação da turba golpista rumo aos prédios dos Três Poderes em Brasília.
Mas jura?
Se não fosse o presidente botar o dedo na ferida, supostamente falando demais, nenhum de nós teria desconfiado.
Lula disse também que não havia analfabeto político entre os invasores do Palácio do Planalto. Ele desconfia que os agressores haviam sido treinados, orientados, conheciam o território “inimigo” e contaram com a vista grossa de quem deveria trancar a passagem em direção às salas e gabinetes oficiais.
Pois bastava a qualquer analfabeto político assistir às cenas da invasão para chegar à mesma conclusão.
Para o presidente, a decisão de seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), de ficar quieto, sem reconhecer a derrota, após a eleição, não passar a faixa e se escafeder rumo aos Estados Unidos “como se estivesse fugindo com medo de alguma coisa” dá a impressão de que ele sabia tudo o que estava acontecendo. “Possivelmente o Bolsonaro estivesse esperando voltar para o Brasil na glória de um golpe.”
Será? Depois de tantos meses instigando a fúria de parte da população, deslegitimando o processo eleitoral, jogando a opinião pública contra parlamentares e magistrados, quem é que poderia imaginar uma coisa dessas?
Ainda mais quando parte dessa população, convencida de que o capitão estava certo, resolveu trancar rodovias e acampar na frente de quartéis generais do Exército para pedir aos militares exatamente o que tentaram fazer de próprio no domingo, dia 8?
Talvez nem Lula nem ninguém tivesse razão para desconfiar de qualquer sabotagem se algum general graúdo, em vez de pedir força e paciência aos golpistas, tivesse ido à porta dos quartéis para dizer “desculpa interromper a intentona golpista de vocês, mas isso aí que vocês estão pedindo não vai rolar”.
Lula recordou do decreto de Garantia de Lei e Ordem assinado por Michel Temer para intervir na segurança do Rio de Janeiro, em 2018, para dizer que não queria fazer o mesmo, diante do colapso na capital, para não virar uma rainha da Inglaterra, como aconteceu com o então governador fluminense Luiz Fernando Pezão (MDB). Preferiu intervir na segurança do Distrito Federal, até aquele dia comandada por um ex-ministro leal a Bolsonaro – o suposto articulador da coisa toda.
Apesar de dizer com algumas letras garrafais o que estava na cara de todo mundo, Lula disse que não poderia promover uma caça às bruxas e que todos os suspeitos devem garantidos os direitos a se defender de qualquer acusação.
Ele disse também que não trocou os novos chefes da Defesa, recém-nomeados pelo novo governo, porque não se substitui um jogador toda vez que ele perde o gol. Que incendiário, não?
O presidente disse sonhar com a retomada da normalidade e criticou quem pensa estar fazendo justiça xingando e agredindo políticos, jornalistas, juízes e advogados em lugares públicos.
Afirmou que essa normalidade passa pela despolitização das Forças Armadas, que devem servir ao país e não a este ou aquele presidente e seu governo. Que absurdo, não?
“As instituições que dão garantia ao país não precisam ter partido ou candidato. Quero que a gente volte à normalidade. Quem quiser fazer política que tire a farda, renuncie ao seu cargo e vá fazer política”.
Detalhe: não é o novo presidente quem determina essa incompatibilidade de projetos; é a lei.
Foi sob Bolsonaro que a lei foi distorcida a tal ponto que ninguém mais estranhava ver general da ativa em palanque político, como aconteceu com o general e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.
No mesmo dia da exibição da entrevista, o general Sérgio Etchegoyen, responsável pela Segurança Institucional do governo Temer, reclamou das falas do presidente. Disse que o comandante supremo das Forças Armadas não pode dizer que não confia nas Forças Armadas – não foi o que o presidente disse. Tanto que ele retificou que pretende se reunir com os comandantes militares para estender as pontes e ouvir as demandas de cada Força. “Como é que se pacifica o país a partir daí?”, perguntou o general.
O jornalista Rafael Cariello, em seu perfil no Twitter, respondeu: “Com Forças Armadas confiáveis, general”.