Maior hidrelétrica do Sudeste atinge 0% de nível e opera com reservatório abaixo do limite
O reservatório da usina hidrelétrica de Ilha Solteira atingiu 0% do seu nível operacional nesta quarta-feira (15), após bater níveis críticos nesta segunda-feira (13), resultado de uma queda abrupta no nível da represa em apenas duas semanas.
Entre os dias 1º e 15 de setembro, o lago de Ilha Solteira despencou de quase 22% para o atual 0%. A queda fica ainda mais nítida se comparado com o início de agosto, quando o reservatório da usina às margens do Rio Paraná na divisa entre São Paulo e Mato Grosso do Sul acumulava 40% de sua capacidade.
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Naquele momento muitas represas, sobretudo no Triângulo Mineiro, já guardavam pouco mais de 10% do possível.
Terceira maior hidrelétrica em operação no país, Ilha Solteira tem capacidade de gerar 3.444 MW com 20 unidades geradoras, o suficiente para abastecer o Rio de Janeiro e Recife, aproximadamente. Desde Agosto, no entanto, vinha gerando cerca de 30% disso de forma a preservar a água do reservatório.
Nesta terça-feira, já com a represa próxima do zero operacional, a usina gerou pouco menos da metade do potencial.
Segundo a estatal chinesa CTG Brasil, concessionária da usina, o nível do reservatório nesta quarta-feira é de 322,94m, correspondente a -1,09% do volume armazenado, quando considerado o nível mínimo de 323m estabelecido pelos órgãos reguladores.
Em nota, o ONS (Operador Nacional do Sistema) defendeu a redução no nível da represa, afirmando que os dados oficiais apresentados têm como referência o volume útil, definido na outorga da Agência Nacional de Águas (ANA), que considera a cota de 323 metros para não interromper o funcionamento da hidrovia Tietê-Paraná.
A nota afirma ainda que “o valor de 0,0% não quer dizer que o reservatório da usina esteja vazio. Se considerarmos o nível mínimo de projeto, cuja cota é 314 metros, o reservatório encontra-se com 56,72% do seu armazenamento. Como autorizado pela Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (CREG), o Operador está autorizado a chegar à cota de 314 metros e está comprometido em fazer a melhor gestão de recursos no atual cenário”.
De acordo com a concessionária, se for considerado o nível mínimo de projeto, cuja cota é 314m, o nível de hoje corresponde a 56,72% do volume útil total do reservatório.
“Irresponsabilidade”
Nesta terça-feira (14) foi realizada nova reunião do Grupo de Trabalho da crise na bacia do rio Paraná — cujos reservatórios estão atualmente com menores níveis observados em 90 anos — com autoridades de Goiás, São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso do Sul, além da ANA (Agência Nacional de Águas), e, excepcionalmente o ONS e os ministérios de Minas e Energia e Infraestrutura.
Nela, a ANA demonstrou preocupação com a exploração hidrelétrica em níveis abaixo do estabelecido pelas outorgas emitidas pelo órgão.
A agência chamou atenção ainda para possíveis ocorrências de impactos, de quantidade e de qualidade da água, nos demais usos em decorrência de níveis muito baixos, e que os agentes devem elaborar um levantamento dos possíveis impactos e promovam medidas para mitigá-los. Um estudo de impactos estaria sendo elaborado pelo ministério de Minas e Energia, porém sem prazo para apresentação.
Ex-diretor-presidente da ANA entre 2010 e 2014, Vicente Andreu considera uma irresponsabilidade a operação a níveis tão críticos.
"A outorga publicada em 2019 define um limite de segurança; abaixo disso existe o risco de afetar o equipamento, a segurança hídrica, e mesmo a utilização do rio dentro de todos aqueles usos múltiplos que é conferido”, afirma.
Ele questiona a falta de clareza sobre os critérios adotados para a redução e gerenciamento da crise hídrico-energética pela qual atravessa o centro-sul do país.
“O ONS planejava chegar em novembro com Ilha Solteira na cota 319m, e assim de repente, em setembro, diminui para 323m, ou 1,45%, que é o mínimo operacional; é impossível saber qual o critério usado e qual será aplicado daqui para frente”.
Andreu classifica como “falsificação estatística” os anúncios feitos por parte do ONS sobre a pior seca dos 91 anos no Brasil, apontando que na região Norte houve um dos períodos chuvosos mais intensos dos últimos anos, com a cheia do Rio Negro atindingo níveis extremos e levando à inundação de Manaus e uma dezena de cidades às margens do rio.
A CTG defende em nota que “vem acolhendo na sua integralidade as determinações recebidas, cumprindo rigorosamente a legislação, procedimentos e normas do setor elétrico brasileiro, bem como a Política de Operação definida pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para as usinas hidrelétricas sob sua concessão, e colaborando com o ONS e demais instituições”, e que “em situação de escassez hídrica, as condições de operação da usina poderão ser revistas pelos órgãos competentes, podendo chegar no nível mínimo operativo previsto em projeto, que é de 314m”.
Racionamento
Enquanto o Governo Federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente, vem se recusando a falar em racionamento de energia diante da crise vivida, os Estados já vem anunciando o corte planejado no abastecimento de água de algumas cidades.
Em Goiás, já há redução da captação para o abastecimento da Região Metropolitana de Goiânia, onde vivem 1,3 milhão de habitantes, e a situação também é crítica em Anápolis e em Rio Verde (250.000 habitantes), com riscos para o abastecimento público e para a agroindústria.
Paraná já vem operando com esquema de rodízio para o abastecimento público na Região
Metropolitana de Curitiba e Cascavel, enquanto em São Paulo 17 municípios estão em situação crítica. Em quatro deles (Tietê, Salto, Itu e Franca) há rodízio para o abastecimento público de água. A região noroeste do Estado, junto do sul do Goiás e Triângulo Mineiro, é o epicentro da atual seca recorde que castiga o centro-sul do país.