Manifestantes pedem intervenção da UE sobre reforma judicial em Israel

Israel está em alvoroço por causa de uma reforma legislativa para redefinir as relações entre os poderes executivo e judicial. Manifestações ocorrrem quase diariamente no país, numa tentativa de travar a legislação, que os críticos dizem que irá minar o papel do Supremo Tribunal de Justiça e dar "rédea solta" ao executivo.

"Na verdade, é muito, muito assustador. Estamos num momento crucial para salvar a democracia", disse Amnond, um arquiteto nascido em Tel Aviv, que vive em Bruxelas, onde decorreu uma manifestação contra a reforma.

Académicos, estudantes, empresários, investidores e mesmo as forças armadas expressaram o seu descontentamento relativamente à proposta. O Presidente do país, Isaac Herzog, alertou para o "colapso constitucional e social".

O protesto junto ao Parlamento Europeu, na quarta-feira, culminou com uma carta enviada aos líderes das principais instituições da União Europeia (UE), apelando a uma intervenção mais enérgica no debate.

Até agora, as instituições europeias mantiveram-se, em grande medida, discretas sobre a reforma e preferem esperar pela versão final da lei que vier a ser aprovada.

"Uma vez que se trata de uma discussão interna em curso, não cabe à UE comentá-la, ou às suas possíveis e hipotéticas implicações, uma vez que esta reforma seja aprovada ou rejeitada", disse um porta-voz da Comissão Europeia, na semana passada.

Não intervir poderá prejudicar as relações futuras?

Os manifestantes que vieram a Bruxelas traçaram paralelismos com a Hungria e a Polónia, dois países da UE que têm sido, repetidamente, acusados de usurpar a independência judicial para obter vantagens políticas.

"Quando a UE falar poderá ser demasiado tarde. Os 75 anos da democracia israelita podem chegar ao fim, e só então as instituições europeias dirão quais são as implicações", disse Dan Sobovitz, o organizador da manifestação.

"Não estamos a pedir sanções. Não estamos a pedir que a União Europeia prejudique Israel. Estamos aqui porque amamos Israel e queremos salvar a democracia", acrescentou.

Os manifestantes preocupam-se com o facto de Israel poder deixar de ser visto como uma democracia de pleno direito aos olhos do Ocidente, pelo que as suas relações diplomáticas e económicas poderão deteriorar-se seriamente, com consequências nefastas para estudantes, investigadores, artistas, investidores.

Tenho medo pela minha família e pelos meus amigos. E de certa forma, (Israel) não é já muito uma democracia, mas a democracia simbólica será também arruinada.

"Tenho medo pela minha família e pelos meus amigos. E de certa forma, (Israel) não é já muito uma democracia, mas a democracia simbólica será também arruinada", disse Amit, uma manifestante.

Numa breve declaração à Euronews, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel negou que as reformas prejudicariam de alguma forma as relações bilaterais com o bloco.

"Israel há muito que goza de uma relação forte e frutuosa com a UE. Estamos ansiosos por continuar a construir e expandir a nossa ligação no futuro. O diálogo entre o Estado de Israel e a UE é levado a cabo através dos canais apropriados, e continuará a fazê-lo", diz o texto.

Controlos e equilíbrios

A reforma judicial têm sido fonte de controvérsia desde que foi apresentada pela coligação governamental do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, que tem sido descrita como a formação religiosamente mais conservadora e de extrema-direita da História de Israel.

Netanyahu, que enfrenta um processo judicial por fraude e suborno, alega que é preciso refrear o alcance excessivo do Supremo Tribunal de Justiça e redirecionar o poder para representantes eleitos no parlamento israelita (Knesset).

Segundo a reforma, o Knesset poderá anular as decisões emitidas pelo Supremo Tribunal de Justiça com uma maioria simples de 61 legisladores. Isto significa que se o Supremo Tribunal vetar uma lei por a considerar inconstitucional, o Knesset terá o poder de a fazer passar.

Outro elemento da reforma propõe alterações ao Comité de Seleção Judicial (CJA), que gere os postos dos juízes. Atualmente, o CJE é composto por três juízes do Supremo Tribunal, dois ministros, dois deputados e dois representantes da Ordem dos Advogados de Israel.

O sistema atual obriga os membros políticos e os membros profissionais a consensualmente decidirem quais são as novas nomeações. Mas a reforma redistribuirá os lugares e dará uma maioria automática aos nomeados pelos poderes executivo e legislativo.

A composição dos tribunais em todo o país poderá ser dramaticamente alterada e constrangida a sua independência.

Não haverá um controlo efetivo do poder do governo e qualquer tipo de coligação parlamentar será capaz de aprovar qualquer tipo de lei que deseje.

A reforma irá, também, afetar a autoridade do Procurador-Geral e dos conselheiros jurídicos nos ministérios, e restringir a capacidade do Supremo Tribunal para rever as ordens administrativas.

O investigador do Instituto da Democracia de Israel (centro de investigação não partidário), Guy Lurie, receia que a reforma retire ao Supremo Tribunal de Justiça o controlo do equilíbrio de poderes num país que tem um parlamento unicameral, um presidente cerimonial e não tem constituição escrita.

"Estas reformas, no seu contexto completo, diminuirão em grande medida a proteção dos direitos humanos em Israel e transformarão o Supremo Tribunal num tribunal político que é controlado pelo governo. Limitarão a sua capacidade de proteger o Estado de direito e os direitos civis em Israel", disse o investigador, em entrevista à euronews.

"Não haverá um controlo efetivo do poder do governo e qualquer tipo de coligação parlamentar será capaz de aprovar qualquer tipo de lei que deseje", acrescentou.

O projeto de legislação está em análise nas várias comissões parlamentares e seguriá para votação no plenário.