Vou estar encaminhando: a tática de telemarketing de Queiroga na CPI

Brazil's Health Minister Marcelo Queiroga attends a meeting of the Parliamentary Inquiry Committee (CPI) to investigate government actions and management during the coronavirus disease (COVID-19) pandemic, at the Federal Senate in Brasilia, Brazil May 6, 2021. REUTERS/Adriano Machado
O ministro Marcelo Queiroga durante depoimento à CPI da Pandemia. Adriano Machado: Reuters

A tentativa de escapar das perguntas do pelotão de senadores da CPI da Pandemia pode ter colocado Marcelo Queiroga em maus lençóis com o chefe, Jair Bolsonaro.

No círculo do presidente é sabido que, para cair em suas graças, é preciso amá-lo acima de todas as coisas e defendê-lo acima de tudo. Inclusive da razão.

Sem ter muito o que mostrar ou justificar na audiência, o ministro da Saúde, que assumiu a bucha não faz muito tempo, tentou escapar das armadilhas com um escudo baseado na frase “estamos avaliando essa questão tecnicamente”, “não tenho conhecimento específico sobre o assunto” e suas variáveis. Isso irritou os senadores, que exigiam dele respostas mais assertivas. Sim ou não.

A estratégia dos senadores irritava também quem acompanhava a sessão. Diferentemente das duas sessões anteriores, monopolizadas por dois dissidentes do bolsonarismo, dessa vez é um representante do governo quem fala à CPI. Daí as muitas cascas de banana lançadas pelos parlamentares oposicionistas para tirarem do ministro um ato falho que confirmasse as teses elaboradas de antemão. Entre elas a de que Jair Bolsonaro apostou na imunização de rebanho e nos levou à morte.

No meio do caminho dessa tese tem uma pedra chamada cloroquina, uma obsessão do presidente capaz de levar o nióbio, sua fixação anterior, ao ciúme do abandono.

As pegadinhas pareciam feitas para caber em vídeos curtos imediatamente compartilhadas no Twitter. Foi o que fez Renan Calheiros (MDB-AL) ao levar o ministro a falar sobre a existência de um conselho paralelo para assuntos sanitários no Palácio, como acusou seu antecessor Luiz Henrique Mandetta.

“Eu não tenho informação de aconselhamento paralelo”, garantiu.

O relator da CPI perguntou, então, se ele havia participado da elaboração de um decreto anti-lockdown que Bolsonaro ameaçou jogar na praça. Queiroga negou, levando Calheiros (e as redes sociais) a concluir que, sim, existe um aconselhamento paralelo.

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Em outro momento de embate mais duro, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) pediu data e hora para a chegada das quase 90 milhões de doses de vacina, criticou a demora do governo em definir um protocolo de atendimento para pacientes com covid e questionou por que não há uma campanha publicitária nacional sobre os riscos relacionados à pandemia.

Queiroga, mais ou menos como um operador de marketing digital, se limitava a dizer que “vamos estar encaminhando sua demanda” para o setor responsável. Foi o que fez também ao ser indagado por Mara Gabrilli (PSDB-SP) sobre orientações específicas a grupos de pessoas portadoras de deficiência.

Queiroga até se esforçou em parecer entrosado na tabelinha com os senadores da base aliada — que usaram o holofote para acusar, sem provas, o mau uso de recursos públicos federais por parte dos governadores. Eles também tentaram levantar a bola dos medicamentos sem eficácia comprovada. Queiroga constrangeu e se constrangeu, mas até neste ponto tergiversou.

Um bolsonarista-raiz teria falado que tomou a cloroquina e viu até sua digestão, as noites de sono e o brilho da pele melhorarem. Falaria também de comunismo, do PT, de heranças malditas, das liberdades ameaçadas, de ativismos políticos do STF. E teria lançado suspeita sobre os números de mortes oficiais e até questionado a gravidade da pandemia.

Na véspera mesmo seu chefe mostrou o caminho ao culpar (e depois dizer que não citou nomes) a China por criar o vírus e lançar o mundo a uma guerra bacteriológica.

Queiroga não iria tão longe.

A postura dúbia e escorregadia pode ter dado munição suficiente para entrar na mira de Bolsonaro, que mede a lista do seu apreço por quem usa ou não usa máscara em seu ambiente de trabalho. (Quem usa é constrangido, e até seu ministro da Casa Civil precisa tomar vacina escondido para não melindrá-lo).

Queiroga passou longe de fazer a defesa enfática do presidente em temas como distanciamento social, uso de máscaras e cloroquina —a tríade que mais irrita o presidente. O ministro, pelo contrário, endossou a importância dessas medidas.

Quando questionado, porém, se concorda ou não com o chefe na questão da cloroquina — como se uma CPI fosse o local adequado para discutir opinião — ele se esquivou e flertou com o perigo. Falou e falou sobre consenso, estudos, conclusões, protocolos médicos, etc. Mas passou longe de fazer defesa enfática do capitão.

A certa altura, foi ironizado por Tasso Jereissati: "O senhor é ministro há 42 dias, o senhor não tem uma opinião?".

A resposta faria corar Madame Natasha, personagem de Elio Gaspari: "Está sendo elaborado um protocolo e eu sou última instância decisória, se eu manifesto uma opinião aqui eu invalido a decisão." O que ele quis dizer, talvez nem ele saiba.

Médico cardiologista, Queiroga foi nomeado ministro da Saúde justamente após a situação do antecessor, Eduardo Pazuello, se tornar insustentável com a pilha de mortos batendo à porta. Ele chegou ao posto para dar um verniz civilizatório à pasta. Trata-se de uma missão com carta branca já amarelada.

Como em um meme, mentir ou desagradar o presidente era sua escolha de Sophia na CPI. Preferiu se apoiar em lemas como “não sei”, “vou tentar saber”. Para não desagradar ninguém, irritou gregos, troianos e negacionistas.