Governo Bolsonaro está há 0 dias sem suspeita de corrupção
A Polícia Federal acaba de presentear Jair Bolsonaro com um dilema de Sofia: deixar queimar as têmporas e as bochechas no fogo quente por seu ex-ministro da Educação Milton Ribeiro ou largá-lo ferido na estrada para ser bicado pelos urubus?
A conta aqui não está na ordem do conflito moral, e sim pragmático. Em quase três anos e meio de mandato, Bolsonaro já provou mais de uma vez (por dia) que remorso ou compaixão não é seu forte.
É que quem jurou colocar a cara no fogo pelo ex-chefe da Educação foi o próprio chefe do Executivo. Poderia ter ficado só com a mão, mas vá lá.
Nesta quarta-feira (22/6), a Polícia Federal acendeu a fogueira ao deter Milton Ribeiro e os pastores com carta-branca para entrar e sair do ministério durante sua gestão. Eles são acusados de operar um balcão de negócios no MEC para liberação de verbas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).
O modus operandi já estava desenhado no depoimento, para a Comissão de Educação da Câmara, de alguns prefeitos que toparam com os pedidos, digamos, heterodoxos dos fies à entrada do ministério. Com eles, disseram os prefeitos, a verba pública sairia mais rápido e mais fácil; desde que a engrenagem fosse engraxada com um dinheirinho por fora.
Os depoimentos, somados a um relatório da Controladoria Geral da União, municiaram a PF com um mapa dos indícios de crimes na liberação de verbas do fundo.
Quem sabia ligar os pontos já desconfiava que bastava puxar um fio para ver o novelo todo desenrolado. Você leu isso por aqui.
Até o momento, Bolsonaro mostrou que não tinha muita escolha entre salvar o ex-aliado e o próprio rosto da fritura.
Ribeiro já havia sido “renunciado” do MEC quando as pegadas dos pastores suspeitos já não podiam ser escondidas por decretos de sigilo.
Com a saída precoce do ministro incapaz de manusear uma arma sem disparar –uma metáfora perfeita da excelência técnica dos membros desse governo – Bolsonaro pensou que tinha se livrado de um problema real e foi dormir preocupado apenas com as questões inexistentes, como a desvalorização do nióbio no mercado e a impossível fraude nas urnas eletrônicas.
Se pudesse, Bolsonaro botava sacos de cimento e alteres em seus calcanhares antes do mergulho. Sabe —e acaba de dizer —que qualquer fio puxado ali acabaria respingando nele.
Mas Milton Ribeiro submergiu.
A PF fez o trabalho de tirar o cadáver insepulto do fundo do mar e agora quer exumá-lo.
Bolsonaro, chamado a reconhecer a vítima, disse que nuca viu mais feio. E mais: se ele foi detido, alguma coisa aprontou.
A conversa tem cálculo. A essa altura, colocar sob suspeita o trabalho da polícia, sua base de apoio, seria um outro balaço no pé.
E então Ribeiro ficou na estrada.
O problema, para o ex-capitão, é que seu ex-ministro já disse em voz alta que privilegiava as demandas dos pastores por ordem dele mesmo, Jair Bolsonaro.
Por princípio ou temor, Ribeiro pode explicar melhor ou não o contexto de pedidos do tipo e suas implicações. Isso pode ter algum efeito, ou não, nas investigações.
Politicamente, a ação policial, seguida do endosso presidencial, é um tiro na já esfarrapada conversa do presidente de que seu governo passou ileso de escândalos de corrupção.
Para quem não entendeu direito, é isso mesmo: um ex-ministro da Educação, um dos mais próximos do presidente, é acusado de integrar um suposto esquema de tráfico de influência e corrupção no coração do governo.
E já disse que privilegiava em sua agenda a demanda de outros suspeitos por ordem superior.
Não foi o primeiro e não será o último caso suspeito envolvendo a administração.
Mas este, especificamente, está cercado das digitais e glândulas salivares do presidente.
Vai ser difícil, na eleição, provar, para além dos fanáticos de sempre, que esse governo pode até pecar pela burrice e inaptidão, mas não pela malandragem. Com a palavra, Milton Ribeiro.