Morre terceira criança Yanomami com malária; liderança pede interferência do governo

A child from the indigenous Yanomami ethnic group holds a protective face mask, amid the spread of the coronavirus disease (COVID-19), at the 4th Surucucu Special Frontier Platoon of the Brazilian army in the municipality of Alto Alegre, state of Roraima, Brazil July 1, 2020. REUTERS/Adriano Machado
Crianças Yanomami em Roraima. Foto: REUTERS/Adriano Machado
  • Garoto tinha apenas 3 anos

  • Presidente de Conselho de Saúde denuncia 'negligência'

  • STF e MP já cobram ação federal para conter doença em terras indígenas

Uma criança indígena de 3 anos morreu na comunidade Xaruna, na Terra Indígena Yanomami, com sintomas de pneumonia e malária, nesta quarta-feira (17). O Conselho de Saúde Indígena Yanomami e Ye'kuanna (Condisi-YY) denunciou que o garoto estava em estado grave e teve o atendimento médico negligenciado.

Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Condisi-YY, afirmou que o menino morreu por volta das 16h30. Segundo ele, não foi possível retirá-lo da comunidade para ser atendido em outro local, pois não havia combustível suficiente.

Júnior acusou de "negligência" o Distrito Sanitário Yanomami (Dsei-Y), órgão vinculado à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), o qual responde ao Ministério da Saúde.

Segundo Júnior , o Condisi-YY pediu providências ao coordenador do Dsei-Y, Romulo Pinheiro, e ao titular da Sesai, Robson Santos, nesta quinta-feira (18).

Ainda de acordo com o relato de Júnior ao portal G1, o menino estava em tratamento contra a malária, mas piorou muito. Nesse meio tempo, as equipes médicas não retornaram à comunidade para dar continuidade ao tratamento.

"Eu conversei com o povo Yanomami e eles relataram que essa criança tinha malária, já estava em tratamento. A equipe de saúde não retornou para a comunidade por não ter mais gasolina para fazer o atendimento médico nas comunidades. Ontem eu fui informado pelos Yanomami que essa criança estava em estado muito grave", afirma o presidente.

Segundo Júnior, o Dsei-Y foi informado sobre o risco que a criança corria, mas, em resposta, o órgão disse que não havia combustível para locomover o garoto. O Dsei-Y disse que enviou um helicóptero, mas que a aeronave "não chegou a tempo".

"Eu comuniquei a equipe do Dsei-Y para remover a criança às 11h e foi autorizado para resgate urgente com a equipe médica do Parima. Mas, não tinha gasolina para se deslocar até a comunidade do Xaruna e depois o Dsei-Y acionou o helicóptero para fazer o resgate. O helicóptero chegou apenas 17h e a criança tinha falecido às 16h30 sem nenhum socorro", relatou o presidente.

Pedido de ajuda ao governo federal contra disseminação da malária

O representante Condisi-YY destacou a necessidade urgente de ajuda por parte do povo Yanomami e pediu ação do Governo Federal para frear as mortes por malária na terra indígena, tendo em vista a "falta de planejamento do Dsei-Y".

"Não tem mais como ficar assim, pois estamos perdendo muitas crianças. O povo Yanomami está morrendo. Precisamos urgentemente que o Governo Federal ou a Justiça interfira no Dsei-Y. O distrito não tem mais condição de atuar sem planejamento na Terra Yanomami. Não queremos mais perder nossas crianças e nosso povo dessa forma. É uma situação muito triste e o Governo Federal tem conhecimento do que estamos passando. Precisamos de intervenção no Dsei-Y", desabafou Júnior.

Esta é a terceira criança Yanomami a falecer em decorrência da malária, além de ser o quinto caso da doença em três meses na terra indígena. Em setembro, duas crianças indígenas, sendo uma delas de apenas 6 meses de idade, morreram na comunidade de Xaruna.

Já a comunidade Yaritopi perdeu uma adolescente, de 17 anos, em 4 de novembro. A comunidade está em estado grave de malária falciparum.

No dia 1º de outubro, um pajé da comunidade Makuxi Yano, de 50 anos, morreu sem atendimento.

Segundo Júnior, a comunidade informou que não há gasolina de barco desde o início deste mês para deslocar a equipe médica. "O Condisi-YY acredita que esse foi mais um caso de negligência do Dsei-Y. É negligência, pois não tem planejamento, os transportes estavam sem gasolina e essa é a responsabilidade do coordenador do Distrito Yanomami. Por que não mandou gasolina? Isso é incapacidade de uma coordenação que está colocando em risco a vida do povo Yanomami", disse.

No momento, de acordo com Júnior, cinco indígenas infectados com malária estão em estado grave na comunidade de Xaruna, na qual vivem aproximadamente 120 pessoas.

STF cobra o governo federal

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu um prazo de cinco dias, a partir desta quarta-feira (17), para que o governo federal preste esclarecimentos sobre a situação do povo Yanomami. O pedido é do partido Rede Sustentabilidade.

Além da malária e da falta de atendimento médico, lideranças denunciam que a comunidade sofre com desnutrição.

Na segunda-feira (15), o Ministério Público Federal em Roraima recomendou que o Ministério da Saúde trace um plano de reestruturação da assistência básica capaz de reverter a situação crítica na comunidade. O MP deu um prazo de 90 dias para a resposta, e, caso ela não ocorra, foi sugerido intervenção.

A Terra Yanomami é a maior reserva indígena do Brasil. Lá vivem cerca de 28 mil indígenas, em mais de 370 aldeias. Apesar de protegida por lei, a área é alvo de garimpeiros ilegais que degradam a região e ameaçam a segurança do povo Yanomami. Além disso, desde o dia 10 de maio, a região enfrenta tensão na comunidade de Palimiú em razão de ataques armados de garimpeiros.

Além dos ataques diretos aos indígenas, a invasão do garimpo acarreta na contaminação dos rios e degradação da floresta, o que tem impacto direto na saúde dos Yanomami, principalmente crianças, que enfrentam a desnutrição por conta do escasseamento dos alimentos.