Morte de menino ao cair de janela é tragédia dupla, diz pediatra; 'morre uma criança, e se despedaça a alma de outra'

A mãe do menino Hallan Luís Silva Ramos, de 7 anos, morto no domingo após cair do apartamento onde a família mora, no Andaraí, Zona Norte do Rio, prestou depoimento na noite desta segunda-feira. Jéssica Ramos Silva chegou à 20ª DP (Vila Isabel) com o rosto coberto e desmaiou na unidade policial. O caso é investigado como abandono de incapaz com resultado morte. Para o pediatra Daniel Becker, foi um tragédia dupla:

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Tragédia no Andaraí: ''Vou carregar essa culpa para o resto da vida', diz mãe de criança morta após cair de prédio

— Morre uma criança de 7 anos e se despedaça a alma de outra, de 9. Esse trauma, essa culpa, mesmo jamais sendo responsabilizado por nada, vão acompanhar o mais velho a vida inteira. É muito pesado para uma criança lidar com a morte de um irmão. E ainda mais da forma como ocorreu. O cuidado de uma criança deve ser sempre feito por um adulto. Talvez se o adolescente tiver mais de 16 anos e discernimento possa fazer isso, o que é discutível.

Conforme o médico, as consequências da tragédia na saúde mental (síndromes de estresse pós-traumático) e física (pressão alta precoce, excesso de peso e doença autoimunes, por exemplo) do irmão da vítima vão depender do tratamento que receber.

Chegada à delegacia com rosto coberto: Mãe de menino morto após cair de prédio no Andaraí presta depoimento

Já a Presidente da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da OAB do Rio, Silvana Monte, cita o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que trata dos deveres dos pais:

— Na parentalidade responsável, há o dever de cuidar e manter a criança em segurança. Deixar uma criança em casa sozinha é abandono, negligência. Criança não toma conta de criança.

Procurador de Justiça, Márcio Mothé explica que as penas que podem ser aplicadas aos pais da vítima vão depender da conclusão do inquérito e dos crimes em que forem imputados. Lembra que podem ser acusados de homicídio culposo (sem intenção de matar) por abandono.

— O fato é gravíssimo. O Código Penal diz que os pais são os agentes garantidores. Eles têm o poder e o dever de agir e a obrigação de evitar o resultado. Qualquer coisa que acontece com as crianças, são eles que respondem — diz o procurador.

Em 15 anos, 24 mortes

Segundo o Datasus, de janeiro de 2008 a dezembro do ano passado, 1.361 menores de até 14 anos foram internados no estado por queda de prédios ou outras estruturas. No mesmo período, e por iguais razões e faixa etária, 24 crianças morreram.

De acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP), de 2014 até 2021, 38% dos casos de abandono de incapaz, de 0 a 11 anos, têm pai, mãe, padrasto ou madrasta como autor. O órgão não desagrega por tipo de abandono.

Desabafo em rede social: 'Vou carregar essa culpa para o resto da vida', diz mãe de criança morta após cair de prédio no Andaraí

Mãe diz que 'carregará culpa'

Em desabafo numa rede social, a mãe, Jéssica Silva Ramos, afirmou que carregará a culpa para o resto de sua vida e que não tinha deixado os filhos sozinhos. Na 20ª DP (Vila Isabel), o caso é investigado como abandono de incapaz com resultado de morte. A pena prevista é de quatro a 12 anos de prisão.

“Eu não vou mais tocar nesse assunto, só quero que parem de falar o que não sabem. Eu não deixei meus filhos sozinhos, o meu único erro foi ter confiado em quem não deveria. Respeitem minha dor, só eu sei o quanto eu amava e fazia de tudo pelos meus filhos!!! E, sim, vou carregar essa culpa para o resto da minha vida”. “Nada e nem o tempo irá amenizar a dor que estou sentindo, esse buraco vai ficar para sempre na minha vida”, escreveu Jéssica.

A mãe prestou depoimento ontem à noite na delegacia. De acordo com o g1, ela disse que o pai das crianças iria buscar os filhos no domingo. “Eu não sabia que o pai não tinha ido buscar, nem que eles estavam sozinhos”, contou. O site informou ainda que testemunhas afirmaram que Jéssica costumava deixar as crianças sozinhas e que ela fazia passeio de barco quando ocorreu a queda. Ela tem um outro filho de 4 anos, que estava na casa de “uma pessoa de confiança”.

A síndica do prédio onde a família mora, Marilene Inocencio, que é madrinha da vítima, contou na delegacia que, por volta das 11h40, o irmão mais velho do menino bateu em seu apartamento afirmando que Hallan tinha caído da janela. De acordo com Marilene, o irmão — que a chama de avó — chegou em seu apartamento dizendo: “Vovó, vovó! O Hallan caiu da janela tentando passar para a janela do quarto da vó Marise”. A síndica disse, ainda, que a criança estava “em estado de choque”.