'Mostrei que ser gorda ou não pouco importa, eu posso estar ali': quem é Cintya 'Furacão', a porta-bandeira de giro forte que brilhou na Mangueira

Por onde ela passa, dizem que chegou o "Furacão". A niteroiense Cintya Santos se diverte, vê que 'pegou' o apelido ganho de Milton Cunha durante a narração do carnavalesco dos desfiles das escolas de samba de 2022, quando ela ainda defendia a bandeira da Unidos do Porto da Pedra. Semanas depois, os ventos soprariam para outras bandas, fazendo o novo nome ganhar força e fama em uma comunidade bem conhecida do mundo do samba. Desta vez no Rio de Janeiro. Desta vez, na Mangueira.

— Há oito meses vim pra Mangueira (a escola de samba), mas a impressão é que sempre fui daqui. Estou apaixonada. A Mangueira quer me trazer para o Rio, já me perguntaram se eu queria uma casa no "buraco quente". [risos] E na comunidade, não sou Cintya, sou Furacão — conta a ex-diarista de 36 anos, que hoje é a primeira porta-bandeira da escola verde e rosa e que participou, com seus giros e movimentos fortes (daí a alcunha), do brilho da estação primeira na noite de domingo.

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A força marcou os passos da porta-bandeira no carnaval ao longo dos anos. E ela começou cedo, aos 8, rodopiando na quadra na Porto da Pedra junto com a mãe e a avó, também porta-bandeiras — respectivamente, Maria Angélica Barbosa e Dona Dica (hoje falecida), que se apresentavam na Viradouro. Da intensidade nas quadras para a da vida, o caminho foi natural. Mas duro: cria de comunidade (ela mora na Vila Ipiranga, no Fonseca), Cintya conta já foi recepcionista, auxiliar de serviços gerais em hospital onde ouvia 'desaforo' de doente, e durante a pandemia, com o marido desempregado e três filhos para alimentar (duas meninas de 15 e 7 anos, e um menino de 11), trabalhou como diarista em casas de bairros nobres de Niterói.

Foi fazendo faxina que Cintya recebeu o convite que mudaria sua vida. Ela lembra de tudo: estava "aspirando o tapete, faltava acabar a sala" quando o telefone tocou e, do outro lado, uma mulher dizia ser a presidente da Mangueira, Guanayra Firmino.

— Não acreditei. Dizia "Senhora, uma hora destas, estou fazendo faxina, me deixa trabalhar. A presidente da Mangueira nem sabe que eu existo". A mulher insistia. De repente, desligou o telefone e pensei "Viu como era mentira?". Aí ela fez uma chamada em vídeo, no viva-voz. E estava todo mundo ali, os carnavalescos, a diretora da escola, o Matheus Olivério (mestre-sala). Sentei na cadeira e comecei a chorar. Aí ela disse para ir pra escola naquela hora. Mas eu precisava entregar o apartamento limpinho, dei minha palavra... No dia seguinte, fui para a Mangueira — lembra Cintya, que desde então não fez mais faxina. —Eles me acolheram, me deram todo o suporte. A escola me permitiu que eu deixasse a faxina para apenas trabalhar com o carnaval. A Guanayra foi maravilhosa, cuidou de mim o tempo todo — diz agradecida.

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'Sou contratada para dar nota'

A gratidão veio na entrega: "Sou contratada para dar nota", diz Cintya, que trabalhou duro por oito meses, ensaiando com Olivério quase todos os dias. Havia, segundo ela, muito a provar: a primeira porta-bandeira da Mangueira, que também estreava no Grupo Especial, conta que queria mostrar que "podia estar ali", independentemente do descrédito de muitos carnavalescos diante de seu peso. Cintya tem 98kg e 1,72m de altura.

— Já passei por dirigentes de escolas que me olhavam de cima a baixo. Ouvi coisas como "Se você não emagrecer, não vai chegar a lugar algum". Quis mostrar que eu posso estar ali, junto com o grupo seleto de porta-bandeiras do Grupo Especial. Que independentemente do tamanho físico, de eu ser gorda ou não, posso estar ali junto — afirma.

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Na perfeição de seu bailado junto ao mestre-sala Matheus Olivério, Cintya Santos mostrou não apenas que podia. Mas que veio para brilhar. Representando com seu figurino a orixá Oyá Onira (uma das denominações de Iansã), junto com Matheus interpretando o vento, ela rodou e cantou de forma vibrante o enredo "As Áfricas que a Bahia canta". Mas o nervosismo só passou mesmo depois do casal cruzar a primeira cabine de jurados.

— Eu estava muito nervosa, fiquei tão concentrada que só via o Matheus e os jurados. Não vi nem os amigos e familiares que foram lá pra me ver. Depois da primeira cabine, ao ver que deu tudo certo, relaxei, aí vim brincando, dançando para o público — lembra.

Certeza de uma nota 10? Cintya Furacão é humilde. "Ainda é um sonho, vamos ver".

Com a torcida da antecessora

Squel Jorgea, que defendeu o pavilhão da Mangueira por nove anos, diz que sua sucessora tem a sua "torcida e energia positiva":

— Eu sou fã da Cintya há alguns anos e, todas as vezes em que tive oportunidade, sempre falei o quanto admiro a dança dela. Fiquei feliz por saber que ela teve a oportunidade de ser a guardiã do pavilhão verde e rosa tão amado — afirma Squel, que apesar de ter anunciado a sua aposentadoria da apoteose no ano passado, diz estar com a saúde mental recuperada e desfila nesta segunda-feira na Viradouro, em uma ala com 30 mulheres negras referências em suas áreas, "As rosas do Brasil". Sobre o bastão que passou para Cintya, Squel é só elogios. — Cintya é uma grande porta-bandeira e merece todos os aplausos. Quando a vi, ela estava dançando e gostei muito do que vi, tanto como porta-bandeira quanto mangueirense. Me sinto bem representada por ela.