Nancy Pelosi chega a Taiwan e abre crise entre EUA e China
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- Nancy PelosiPolĂtica norte-americana, Presidente da CĂąmara dos Representantes dos EUA
SĂO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A presidente da CĂąmara dos Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, seguiu em frente com seu desafio Ă China e pousou em Taiwan para a primeira visita do tipo em 25 anos nesta terça (2).
A China promete reagir militarmente Ă provocação, abrindo a mais grave crise em anos entre as duas maiores economias do mundo em meio Ă tensĂŁo mundial provocada pela Guerra da UcrĂąnia, na qual Pequim apoia a RĂșssia de Vladimir Putin.
Pelosi estĂĄ em uma visita Ă Ăsia, onde chegou a Singapura na segunda (1Âș) antes de rumar para a MalĂĄsia. Suas duas prĂłximas paradas oficiais sĂŁo JapĂŁo e Coreia do Sul, mas o desvio para Taiwan jĂĄ era especulado desde a semana passada.
Ele enfureceu a China, que considera a ilha uma provĂncia rebelde desde que um regime autĂŽnomo capitalista foi lĂĄ formado pelos derrotados na revolução que levou os comunistas a estabelecer sua ditadura em 1949.
"Em face ao desprezo irresponsĂĄvel dos EUA Ă s representaçÔes repetidas e sĂ©rias da China, qualquer contramedida tomada pelo lado chinĂȘs serĂĄ necessĂĄria e justificada", disse a porta-voz do MinistĂ©rio das RelaçÔes Exteriores Hua Chunying, para quem os americanos "irĂŁo pagar" pela visita. A chancelaria depois emitiu nota considerando a viagem extremamente perigosa.
As Forças Armadas de TaipĂ©, por sua vez, entraram em alerta mĂĄximo nesta terça. Em seu site, informaram estar prontas para quaisquer açÔes de Pequim Âa expectativa Ă© de que seja lançada uma grande incursĂŁo aĂ©rea para testar suas defesas. O Comando Militar Leste do paĂs informou haverĂĄ "açÔes militares direcionadas" devido Ă visita.
Assim que o aviĂŁo da deputada pousou, Ă s 22h43 (11h43 em BrasĂlia), surgiram relatos de caças Sukhoi Su-35 da China sobre o estreito de Taiwan, que foram depois negados pelo governo local.
"A visita de nossa delegação congressual honra o comprometimento inabalåvel dos EUA com o apoio à vibrante democracia de Taiwan", disse Pelosi ao desembarcar. Ela se encontra na quarta (3) com a presidente Tsai Ing-wen.
A China vĂȘ quaisquer gestos polĂticos em favor de Taipei como um apoio ao ideal independentista na ilha. Em 1997, na Ășltima vez que alguĂ©m com o cargo de Pelosi esteve em Taiwan, no caso o republicano Newt Gingrich, os chineses tiveram de engolir a desfeita.
A situação agora Ă© diferente, pois a China ascendeu ao posto de potĂȘncia desafiante na arena global. NĂŁo tem a musculatura militar dos EUA, com um orçamento de defesa equivalendo a um quarto do americano, mas sua assertividade polĂtica e econĂŽmica expandiu-se sob o governo de Xi Jinping, iniciado em 2012.
Por causa disso, Washington reagiu com a Guerra Fria 2.0, disparada em 2017 como um embate tarifĂĄrio, mas que rapidamente espraiou-se por todas as costas de atrito possĂveis. Taiwan Ă© a mais sensĂvel de todas: de lĂĄ para cĂĄ, autoridades americanas tĂȘm visitado a ilha e a cooperação militar segue em alta.
A ida de Pelosi fez explodir a retĂłrica chinesa. Em um telefonema ao presidente Joe Biden, Xi disse que os EUA precisavam respeitar o princĂpio de "uma sĂł China" que rege o reconhecimento bilateral dos paĂses Âde forma ambĂgua, desde 1979 Washington ao mesmo tempo aceita a soberania de Pequim sobre Taiwan e dĂĄ apoio militar Ă ilha, prometendo defendĂȘ-la em caso de guerra.
Biden, que chegou a dizer considerar a viagem uma mĂĄ ideia, nĂŁo tinha muito o que fazer Âisso se nĂŁo apoiou a aliada democrata em privado, como Ă© provĂĄvel, jĂĄ que o partido de ambos estĂĄ em mĂĄ posição para as eleiçÔes parlamentares de novembro e um espetĂĄculo de força externa viria a calhar.
Nesse sentido, o assassinato pelos EUA do lĂder da rede terrorista Al Qaeda, Ayman al-Zawahiri, se encaixa no roteiro. O que nĂŁo estĂĄ previsto Ă© a possibilidade de um embate direto com a provĂĄvel reação chinesa: uma guerra Ă© tudo o que a economia americana em recessĂŁo nĂŁo precisaria, dada a interligação com as estruturas chinesas.
Do lado chinĂȘs, a lĂłgica nĂŁo Ă© diferente: Xi serĂĄ reconduzido a um inaudito terceiro mandato em novembro e estĂĄ enfrentando grandes dificuldades econĂŽmicas. Falar grosso com os EUA Ă© bom para o pĂșblico interno; um conflito aberto, nĂŁo.
A China prometeu a reação militar, e houve quem temesse uma ação contra o aviĂŁo de Pelosi, um Boeing 737 modificado para transporte de autoridades chamado C-40C, com sofisticado sistema de comunicação, mas sem as contramedidas militares para desviar mĂsseis que a aeronave de Biden possui.
Ela poderia ser uma escolta ostensiva por caças chineses ou, como queriam nacionalistas radicais, a derrubada do aviĂŁo Âo que ensejaria um embate entre as potĂȘncias. Nada disso aconteceu. Com o conflito da UcrĂąnia opondo diretamente RĂșssia Ă Otan (aliança militar ocidental) na Europa, um hipĂłtese de Terceira Guerra Mundial ganharia contornos dramĂĄticos.
Com efeito, desde a semana passada Moscou tem emitido declaraçÔes de apoio Ă China no embate. Biden e outros lĂderes ocidentais jĂĄ advertiram Xi que nĂŁo se animasse a repetir Putin e invadir a ilha, o que faz sentido no contexto atual, embora as realidades histĂłricas do caso taiwanĂȘs e ucraniano sejam muito diversas.
Para começar, o reconhecimento mundial de Taiwan se resume a 14 dos 193 paĂses filiados Ă ONU, que por sua vez considera que sĂł a RepĂșblica Popular da China pode ser chamada de China ÂTaipĂ© se designa capital da RepĂșblica da China. Ao mesmo tempo, mesmo a ilha tem o cuidado de nunca ter declarado independĂȘncia, na esperança de evitar uma guerra e negociar sua autonomia.
Pelosi deixou clara a junção de crises em um artigo publicado assim que ela pousou no site do jornal Washington Post: "Viajamos em um momento em que o mundo encara uma escolha entre democracia e autocracia. Enquanto a RĂșssia trava sua guerra premeditada e ilegal contra a UcrĂąnia, matando milhares de inocentes ÂatĂ© crianças é essencial que os EUA e nossos aliados deixemos claro que nunca cederemos a autocratas".
NĂŁo se sabe quanto tempo Pelosi ficarĂĄ na ilha, mas a tensĂŁo entre China e EUA estĂĄ em seu ponto mĂĄximo nos Ășltimos anos. Os chineses deram diversos recados bĂ©licos: fecharam uma ĂĄrea do mar do Sul da China para treinamento militar e seguem com exercĂcios de munição real mais ao norte, no mar de Bohai Âo golfo mais prĂłximo de Pequim.
Em cidades costeiras da provĂncia de Fujian, que mira diretamente Taiwan a uma distĂąncia mĂnima de 130 km, veĂculos militares e tanques foram vistos em movimento, segundo o jornal honconguĂȘs South China Morning Post. Eles nĂŁo participariam de uma invasĂŁo, operação aeronaval por excelĂȘncia, mas servem de sinalização.
HĂĄ relatos nĂŁo confirmados de que os dois porta-aviĂ”es chineses foram colocados em ação. No mar do Sul da China, os EUA posicionaram um grupo de navios liderados pelo porta-aviĂ”es USS Ronald Reagan jĂĄ na semana passada, em uma operação de liberdade de navegação Âque visa confrontar as reivindicaçÔes chinesas no seu principal corredor de importação e exportação.
PROCURA PELO VOO DE PELOSI DERRUBA SITE
A chegada de deputada Ă ilha teve toques cinematogrĂĄficos. NinguĂ©m sabia exatamente se ela estava na aeronave ou em um aviĂŁo taiwanĂȘs que deixou Kuala Lumpur, a capital malaia, ao mesmo tempo. A viagem nunca foi anunciada oficialmente.
O interesse mundial sobre a rota derrubou um popular site de monitoramento de voos, o Flightradar24, que chegou a ter 300 mil usuĂĄrios tentando acompanhar o caminho presumidamente percorrido por Pelosi. Com o sinal de identificação SPAR19, a aeronave voou pelo sul das Filipinas e virou Ă esquerda, subindo pela costa do paĂs para se aproximar de Taiwan pelo PacĂfico.
Seu aviĂŁo tem, devido Ă configuração dos tanques de combustĂvel, quase o dobro da autonomia do 737-800 no qual Ă© baseado, 9.300 km. HĂĄ 28 deles, em trĂȘs versĂ”es, na frota americana. Ele contornou tambĂ©m o mar do Sul da China e o estreito de Taiwan, por motivos Ăłbvios.
Ao longo do dia, foram vistos preparativos em Taiwan para a visita. O hotel Grand Hyatt Taipei teve os acessos bloqueados, e militares foram vistos no aeroporto da capital. Houve alguns protestos pontuais contra a visita.
Pelosi é uma figura especialmente detestada em Pequim: em 1991, ela fez um protesto na praça da Paz Celestial contra o massacre de estudantes ocorrido dois anos antes.
A TENSA RELAĂĂO DE NANCY PELOSI COM A CHINA
1991
Dois anos após o massacre de estudantes na praça da Paz Celestial, Pelosi deixa a comitiva oficial que visitava a China e vai até o local, onde exibe cartazes contrårios a Pequim. O episódio é chamado pelos chineses de "farsa premeditada"
1993
Pelosi se mostra contrĂĄria Ă realização dos Jogos OlĂmpicos China em 2008, em momento de definição dos paĂses que sediariam o evento
2002
Em encontro com entĂŁo vice-lĂder chinĂȘs, Hu Jintao, ela tenta entregar quatro cartas expressando preocupação com a prisĂŁo de ativistas na China e no Tibet. Hu se recusa a receber as correspondĂȘncias.
2008
Pelosi pede ao entĂŁo presidente dos EUA, George W. Bush, um boicote diplomĂĄtico Ă cerimĂŽnia de abertura dos Jogos OlĂmpicos em Pequim
2009
A congressista entrega nova carta nas mĂŁos do entĂŁo lĂder chinĂȘs, Hu Jintao, pedindo a libertação de prisioneiros polĂticos, incluindo o futuro vencedor do Nobel da Paz, Liu Xiaobo
2022
EntĂŁo presidente da CĂąmara dos Representantes dos EUA, Pelosi conclama um boicote diplomĂĄtico Ă OlimpĂada de Inverno de Pequim